Tive a ideia de fazer uma entrevista por mês para dinamizar o blog. A ideia consiste em ter perguntas fixas independentemente do entrevistado. Para estrear esta nova secção desafiei o meu irmão, Bruno Santos, que prontamente respondeu. Desfrutem! P: Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso. R: Comecei a tocar na tua terra com 15 anos. Aprendi com alguns amigos que já tocavam guitarra, depois fiz o percurso normal de quase todos os guitarristas. Comecei uma banda de rock com mais malta, tocámos versões, originais. O passo seguinte foi começar a ter aulas de guitarra, teoria. Primeiro numa escola privada, depois no Conservatório do Funchal. Com 19 ou 20 anos fui para o Algarve estudar Gestão de Empresas e simultaneamente entrei no Conservatório de Faro. A música começou a ser uma prioridade na minha vida, voltei para a Madeira, larguei Gestão de Empresas, estive uns meses no Conservatório do Funchal novamente e depois disso ingressei no Hot Clube. O Nuno Correia, contrabaixista madeirense que actualmente ensina também na escola do HCP, convenceu-me a ir para o Hot Clube e assim foi. Ingressei no HCP em 1998, comecei a dar lá aulas em 2000 tal como na Escola de Jazz do Barreiro. Entretanto entre 2001 e 2010 dei aulas no curso de jazz do Conservatório do Funchal. Em 2009 assumi a direcção pedagógica do Hot Clube onde me mantenho até hoje. Quando abriu a licenciatura em jazz na ESML fui convidado a dar aulas e lá continuo. Aproveitei e fiz o Mestrado em Música na ESML e presentemente estou a começar um Doutoramento em Artes Performativas. Tenho tocado um pouco pelo país todo e algumas saídas com projectos e músicos variados. Tenho 3 discos em meu nome, vou agora para o 4º e tenho participações em cerca de 10 discos. Apesar de ter falado mais do meu percurso académico considero-me um músico que dá aulas e não um professor que toca! Assim resumidamente é isto. Acho que se continuar ninguém vai ler até ao fim. Se chegaram até aqui parabéns! P: Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música? R: Tento transmitir aquilo que me vai na alma, tento fazer boa música e tento que as pessoas se divirtam a ouvir a minha música. A mensagem é que quem ouça perceba que estou a fazer a música que imagino e gosto. Fico feliz quando gostam da minha música e quando as coisas saem como imagino. É por aí. Não tento passar mensagens subliminares se é isso que pretendes como resposta. P: Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico? R: Alguém que faz boa música, que toca aquilo em que acredita seja jazz tradicional, jazz contemporâneo, rock, pop, ou qualquer estilo por muito bizarro que seja. Independentemente do estilo ou da qualidade ou quantidade de estudo dito tradicional o que interessa é o resultado final. Ou seja um autodidacta pode e é nalguns casos melhor músico do que alguém que tenha estudado durante muito tempo. O estudo não representa à partida que sejas melhor músico do que alguém que passou a vida toda a aprender sozinho. P: No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia? R: Acho fundamental respeitar a tradição. Isso pode implicar não dominar a tradição, mas há que perceber o que se passou para trás também para perceber os tiques e especificidades desta música. Quer se queira quer não qualquer estilo musical tem os seus trejeitos e o jazz não foge à regra. Além disso, acho que para uma música tão ligada à improvisação é importante ver como as coisas foram evoluindo em termos de abordagem harmónica, melódica, rítmica, etc. Também acho que será mais fácil conhecer e abrir novos caminhos quando conhecemos o que se passou para trás, porque nos dá a possibilidade de ir a partir de determinada corrente ou abordagem, partir daí em busca de algo novo. Isso percebe-se claramente na evolução desta linguagem. Inovar a partir do que já foi feito. Sem isso é mais difícil. Quanto a respeitar ou não a tradição hoje em dia, é difícil responder, noto que eventualmente as gerações estão um pouco mais dispersas e conhecerão em menor profundidade alguns aspectos da tradição, o que é perfeitamente natural tendo em conta a quantidade de informação e música que está disponível hoje em dia. O facebook e youtube são prova disso mesmo, hoje em dia toda a gente põe música cá fora com grande facilidade. Por outro lado há uma grande corrente de músicos novos a fazer música original, variada e boa. Há muito mais coisas, penso que há maior dificuldade em ser muito específico ou perder-se muito tempo a ouvir ou conhecer algo em profundidade pela quantidade de informação que nos chega constantemente. P: Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram/são uma inspiração para ti? R: Muita coisa me influenciou. O 1º disco de jazz que ouvi foi do Pat Metheny e fiquei maluco com o som e as notas que tocava. A partir daí ouvi muita coisa distinta que me inspirou. Algumas coisas me marcaram mais por terem sido as 1ªs. Quando comecei a ouvir Tom Jobim percebi que havia uma sofisticação harmónica e melódica que eram distantes para mim. Ainda hoje em dia adoro a elegância dos temas dele. Por outro lado ouvi coisas muito menos sofisticadas nesse sentido mas que me influenciaram muito. Como objecto de estudo andei muitas horas à volta dos bopers e pós-bopers (Charlie Parker, Miles Davis, John Coltrane, Freddie Hubbard, Bill Evans, Red Garland, Wynton Kelly, Bud Powell, Wes Montgomery). Para mim foi muito importante ouvir esta malta toda de modo a decifrar coisas que não conseguia perceber só com o estudo das escalas e com as aulas de harmonia. Só nos discos é possível perceber e descodificar algumas coisas. Pelo menos para mim. P: E coisas extra-musicais que te inspiram? R: O facto de estar a fazer aquilo que gosto é uma força essencial para aqueles dias em que acordamos com mais dúvidas. Além disso e por exclusão de partes não queria fazer nada que não fosse o que faço hoje em dia. Isso para mim é uma inspiração. P: Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas? R: Dou muito importância ao estudo. Penso que há fases para tudo. Durante muito tempo tinha uma espécie de rotina que repeti durante muito tempo adaptando-a em função do material a estudar. Mas percebi em pouco tempo que o mais importante era tocar, transcrever dos discos porque por mais que estudasse escalas, harmonia, etc., não havia maneira de fluir e de soar a alguma coisa parecida com o que ouvia nos discos. Aquilo a que dei mais importância foi mesmo aprender a linguagem, tentar aplicar aquilo que ouvia e transcrevia, procurar dar um cunho pessoal ao material que aprendia dos discos. A partir de determinada altura o meu estudo era basicamente resolver problemas que determinado tema ou repertório me apresentava. No entanto acho importante não descuidar a parte mais física, de ginásio, que eu considero mais chata mas muito importante. Hoje em dia continuo a praticar em função daquilo que acho que tenho menos consolidado. P: Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso? R: Esses fantasmas são cada vez menores ou quase inexistentes. Penso que há uma altura na vida em que de facto percebi e conformei-me com o facto de não podermos tocar com todos, não podemos ouvir tudo, etc. Há que ir dia a dia e aproveitar ao máximo aquilo que vamos fazendo sem estarmos preocupados com o que ficou por fazer. Não tenho essa angústia ou ansiedade hoje em dia mas já a tive em tempos. P: Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento? R: Técnica do instrumento não é só número de notas por segundo, estou de acordo com a 1ª parte da pergunta. Técnica do instrumento, a meu ver, engloba uma série de coisas como: som, articulação, destreza, rapidez, tempo sólido, versatilidade, etc. É um conjunto de factores que resultam numa fluência natural quando se ouve determinado instrumentista. Mas para mim tem muito a ver com a fluência com que se põe cá fora aquilo que queremos ou imaginamos. P: E som do instrumento? Que idealizas para o teu som? Usas algum pedal para ajudar? R: Como disse atrás é muito importante. Para mim é das coisas mais importantes, um mau som elimina à cabeça qualquer coisa de bom que se possa fazer porque um mau som ou um som desagradável afasta quem nos ouve e acaba por ser um filtro para aquilo que estamos a fazer. Ou seja o mau som acaba por ser o foco principal e tudo o resto fica para segundo plano. O que idealizo para o meu som? Não sei bem. Apenas procuro ter o melhor som possível independentemente das condições ou material. Uso alguns pedais mas pratico quase sempre acústico, mas claro que para alguns contextos os pedais podem usar mas não podem ser uma muleta. Uso pedal de volume, wahwah, distorção e uso tambem um processador de efeitos com um pouco de delay e reverb. P: Ficas nervoso quando entras em palco? R: Fico com aquele nervoso miudinho, umas vezes mais do que outras. Acho isso normal e lido muito bem com isso. É a adrenalina que nos mantém vivos e em cima da jogada. Acho que isso nunca vai passar e apesar de ser uma frase feita, acho que quando passar é sinal de que já não sinto o mesmo em relação à música. O nervosismo em determinada dose é bom porque nos deixa em estado de alerta. P: E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que influenciam a tua prestação? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta? R: Durante muitos e muitos anos esses pensamentos jogavam contra mim e apoderavam-se de mim. Hoje em dia confesso que já não penso nisso. Pode sempre acontecer algo do género, mas a importância que dou a isso é muito pouca. Penso sempre que tenho uma obrigação para quem está em palco ou para quem me está a ouvir (seja 1 ou 100 pessoas). Aquilo que tento fazer é abstrair-me de factores nocivos e “dar o litro”. A malta que está comigo em palco merece isso e o público também. Ao longo dos anos fui lidando com malta mais velha com quem aprendi a coisa de chegar ao palco e tocar, sendo essa a verdadeira preocupação. P: Ouves rádio? R: Raramente. P: Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso? R: Acho que há música muito interessante a ser feita em Portugal, não só no jazz, se bem que a área que mais conheço é de facto a área do jazz. Nos últimos 10/12 anos, com o aparecimento de editoras (toap, clean feed) os músicos tiveram oportunidade e eventualmente a motivação que faltava para investirem mais nos seus projectos. Acho que há muita coisa boa a ser feita em Portugal, eventualmente estaremos a atingir uma fase em que há muita, muita coisa. O que não é necessariamente mau mas não sei se haverá espaço para todos. Espero que sim. P: O que andas a ouvir ultimamente? R: Ando a ouvir o meu disco sem parar, não para massagem do ego mas porque estou a tentar chegar a uma conclusão sobre a mistura final! Mais a sério, ouço sempre malta mais antiga. Para mim torna-se mais fácil ouvir malta antiga e partir daí. Ainda por cima há tanta coisa hoje em dia que tenho dificuldade em escolher para onde ir. Não sei se será por estas razões mas a verdade é que ouço muito mais malta antiga. Tenho sempre curiosidade em ouvir malta portuguesa com novos projectos mas confesso que se há uns anos conseguia acompanhar e ouvir os discos, hoje em dia já é mais difícil, exactamente por haver muita coisa. Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos? R: Ando a tentar acabar o meu disco, com música original para 10to. Está quase e penso que terei o disco cá fora lá para Março. Simultaneamente participo noutros projectos que estão para gravar ou editar novo disco (Mariana Norton, Joana Machado, André Carvalho). Daqui a 10 anos imagino-me a fazer o que faço hoje em dia. Tocar muito, compôr. Isso faz-me feliz. Mas como disse atrás gosto de pensar dia a dia, objectivos curtos (no tempo) ajudam-me a manter focado e não dispersar. Obrigado Mona! (ou Bruno se preferirem) www.brunomfsantos.com
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