Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso. Cresci a ouvir muita música diferente e desde muito cedo a fingir que tocava vários instrumentos. Comecei a ter aulas de guitarra aos 10 anos, na escola onde andava, com o Professor Fernando Valente e paralelamente em casa com o Pedro D´Orey. Aos 13 fui para a Escola Acorde Comigo (dos pais do Francisco Pais) onde tive oportunidade de ter aulas com António Sousa, Mário Delgado, Pedro Madaleno, Iuri Daniel, entre muitos outros e bons músicos de jazz. Foi aí que comecei a ter mais contacto com o Blues, a improvisação e a tocar alguns standards. Era pouco disciplinado, mas acho que os ensinamentos desse período foram essenciais. Aos 18 fui para o Hot Clube e Academia De Amadores de música. No Hot foi bom, estive pouco tempo (1 ano), não tive oportunidade de conhecer melhor as pessoas (era tímido nessa altura), nem de ir mais além daquilo que eu já tinha na bagagem. Na Academia foi um desastre. Aos 19 fui para a Berklee College of Music, foi muito bom, conheci muita gente com quem trabalho hoje em dia, e alguns tornando-se grandes amigos. Acabei em 2003, conheci a Sara, a minha mulher, voltei para Lisboa, onde realmente comecei um pouco a minha carreira e pude tocar com alguns dos melhores músicos em Portugal. Essas experiências ajudaram a uma evolução e maturação algo rápida... Aos 25 voltei para Boston para fazer um mestrado no New England Conservatory, e 2 anos depois mudei-me para NY, onde tenho estado a maior parte do tempo, indo a Portugal regularmente, e tendo tido a oportunidade de viajar e tocar uma vez por outra, por vários países em diferentes continentes. Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música? Não sei se tento passar alguma mensagem através da música. Talvez tente sim passar mensagens ou sensações pessoais para a música que faço. Ou seja, usar todas as minhas vivências, descobertas, estados de espírito, impressões sensoriais e canalizá-las para a música, talvez até quase como uma terapia. Trabalho mais no sentido de pensar naquilo que eu ponho na música, não no que depois essa música possa ou não transmitir. Por vezes os dois momentos acabam por ser concordantes. Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico? Qualidades que admiro num músico são as mesmas que admiro em pessoas em geral: saber ouvir, estar presente no presente e respeitar o concreto. No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia? Dou toda a importância. É fundamental ter uma perspectiva abrangente da música, das artes, da história, para compreendermos quem somos. No entanto, numa perspectiva académica, às vezes, pode tornar-se contraproducente demasiada análise, muita ponderação. E acima de tudo é bom dedicarmo-nos ao que gostamos, sem querer impôr isto ou aquilo só porque é a tradição. Demasiado respeito pode transformar-se em medo. E o medo é o que nos complica mais a vida. Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram/são uma inspiração para ti? Creedence Clearwater Revival, Beatles, Muddy Waters, John Lee Hooker, Lightin Hopkins, Dave Brubeck, Jim Hall, Wes Montgomery, Charles Mingus, Charlie Parker, Thelonious Monk, Billie Holiday, Pat Metheny, John Scofield, Charlie Haden, John Coltrane, Sun Ra, Charlie Christian, Carmen Mcrae, Olivier Messiaen, Derek Bailey, Carla Bley e todos os músicos com quem tenho tocado nos últimos 20 anos. E coisas extra-musicais que te inspiram? Família, amigos, Serra de Sintra, Praia da Arrifana, Lisboa, Hot Clube, Nova Iorque, livros policiais, livros de auto-ajuda, yoga e futebol. Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas? Pratiquei bastante a certa altura, mas nunca estive 6 meses a praticar 8 horas por dia... Nessa altura, o desafio era conhecer melhor o instrumento, e aprender música. Hoje em dia a minha prática é muito mais focada. Por exemplo: faço exercícios muito lentos com o metrónomo, pratico voice leading com os ciclos do Mick Goodrick, transcrevo a Billie Holiday a cantar as melodias, por vezes passo algum tempo de volta duma frase que ouço do Charlie Christian. Tento estudar um pouco de clássico. E sobretudo aprender música, minha, da Sara, de outros amigos, bebop, baladas, choros, etc... Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso? Não, e quando se põe alguma questão do género, o que faço é, com muita calma, aprender algo desse músico ou esse conteúdo. Toda a gente dá preferências a certas coisas ao longo dos anos, e hoje em dia já nem vejo o que fica de fora como lacunas, são apenas caminhos para explorar noutras ocasiões. Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento? A capacidade ou a possibilidade de escolher o que tocas e como tocas. E som do instrumento? Que idealizas para o teu som? Usas algum pedal para ajudar? De uma forma concreta, está sempre a mudar, sendo que já assumi que tenho várias opções na manga. Por vezes atrai-me tocar o mais natural possível, só ligado ao amplificador sem mais adereços sonoros. Outras vezes, uso uma data de coisas para adornar o som. Depende sempre dos contextos em que toco, e sobretudo em NY, tenho oportunidade de tocar em situações, bandas e músicas muito distintas, por isso é bom ter a capacidade de mudar. O que é engraçado é que quando estou no momento penso sempre que é assim que vou tocar para sempre, para logo uns dias a seguir já pôr em causa tudo e mudar bastante. Mas há por exemplo dois ou três pedais que uso quase sempre, até porque me ajudam a encontrar um som que goste em qualquer amp, sobretudo quando viajo e toco em qualquer chaço que aparecer. Depois há a facto de tocar maioritariamente em 3 guitarras que têm personalidades muito vincadas, e vou alternando entre as 3. Tudo isto é indiferente pois na verdade, quem ouve de fora, não nota nem metade destas mariquices. Ficas nervoso quando entras em palco? Há sempre uma certa dose de adrenalina, mesmo quando se está absolutamente tranquilo e desperto. E às vezes sim, há algum nervosismo. Mas acho que hoje em dia, já em muitas ocasiões fui capaz de controlar isso, encontrando um estado de concentração e abertura que anulam qualquer impressão do que se passa ou se deva passar fora do palco. E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que influenciam a tua prestação? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta? Sim, tudo isso acho que faz parte da experiência de cada um. A tendência é crescermos e aprendermos a controlar isso, ou mesmo a não tocar gigs em lugares onde o público não se cala! Em relação a pessoas x e y na plateia, o ideal é tornar essa situação num estímulo para vivermos o presente e não ter na cabeça o que essa pessoa pode ou vai pensar, etc.. Aliás, porque se pusermos a situação na “grande fotografia”, nada disso interessa, é tudo passageiro. Somos todos mortais, ninguém te pode dizer que o que fazes é válido ou não. Se para ti for válido, já é suficiente para estares tranquilo e viver esse momento em grande. Ouves rádio? Não. Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso? Em Portugal e todos os países onde já fui, tirando alguns, claro, há música que me interessa e música que não me interessa. Querias alguma coisa mais específica? O que andas a ouvir ultimamente? Ando a curtir estes discos: Mercedes Sousa (hasta la victoria), Pixinguinha (raízes do samba), Eduardo Falu (solos de guitarra), Russ Lossing (drum music), Roop Verma (Harmonie), Arvo Part (Adam´s Lament) Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos? Tenho investido em mais ou menos 3 projectos: o trio Lagarto (com o Demian Cabaud e o Colin Stranahan), o meu quarteto em NY (com o Jacob Sacks, Eivind Opsvik e o Billy Mintz) e o meu duo com a Sara Serpa. Também tenho contribuído com alguma música para os projectos da Sara, nomeadamente o Quinteto (com Kris Davis, Aryeh Kobrinsky, Tommy Crane e nós os dois). O disco dos Lagarto já está pronto, por enquanto pode ser ouvido e comprado em lagarto.bandcamp.com. Para breve, espero poder gravar o Quarteto e o Duo com a Sara. Nos últimos 2 anos, em paralelo, tenho vindo a participar em projectos (quer em NY como em Lisboa) com diferentes líderes tais como o João Lencastre, Gonçalo Marques, Greg Osby, Colin Stranahan, Jonathon Haffner, entre outros. Imagino-me a fazer um pouco o mesmo daqui a 10 anos. Só espero é que possa fazer cada vez mais até lá. Haja saúde! http://www.andrematosmusic.com/
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