Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso. A música aconteceu por acaso, quando tinha 10 ou 11 anos. Um grupo de amigos formava uma banda e faltava o baixista. Queria fazer parte desta nova brincadeira e então pedi um baixo eléctrico à minha mãe, nem sequer sabia o que era o baixo eléctrico...Comecei a ter aulas particulares mas nada sério da minha parte, tocava alguns temas de rock e não queria saber de praticar nem nada disso. Tocava com um par de bandas e curtia. Com o tempo fui-me interessando mais e quando acabei o liceu entrei no instituto I.T.M.C, uma escola correspondente ao que seria a escola do Hot Clube, e foi aí que me fui interessando cada vez mais pelo jazz. Com o tempo dei por mim a imitar com o baixo, o som do contrabaixo. Então decidi seguir por esta direcção, vendi o baixo eléctrico e comprei o meu primeiro contrabaixo, lembro me que o fui buscar ao atelier do luthier na manhã de 25 de Dezembro de 2000. Comecei a ter aulas formais com Hernan Merlo, o "sr contrabaixista" de jazz de Buenos Aires, durante um ano, ao mesmo tempo já tinha acabado o I.T.M.C e estudava na Berklee International Network. Concorri para bolsas na Berklee em Usa, e ganhei uma interessante. Depois de um ano de estudo com Merlo comecei a estudar com o maestro Miguel Angel Villarroel, que foi quem me "abriu a cabeça" com o método que tinha. Cinco meses depois fui para Boston estudar na Berklee e acabei o curso em 2003. Desde há dois anos que estou na tutoria do maestro Alejandro Oliva, primeiro contrabaixo na orquestra Gulbenkian durante os últimos 35 anos. Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música? Tento ser o mais honesto possível comigo e com a música, tocar coisas que representem o que ouço ou sinto. Espero chegar às pessoas, comunicar e criar uma reacção. Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico? Admiro a originalidade , no discurso e no som. Também a honestidade e a criatividade, a capacidade de surpreender e não se repetir, de não cair em fórmulas, de se reinventar em cada concerto ou disco mantendo a identidade. Acho que isso também define um bom musico. No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia? Acho que é muito importante perceber o que se passou para trás, mas como ponto de referência e não como verdade absoluta, se calhar como ponto de partida. Parece-me que há muita gente a respeitar a tradição e muita gente estancada nela. Também há gente que não faz ideia do que se passou para trás.... Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram/são uma inspiração para ti? Os trios de Bill Evans, com Scott laFaro/Paul Motian, Chuck Israels/Larry Bunker , Gary Peackok/Paul Motian, e Eddie Gomez/Marty Morrel e DeJohnette foram e continuam a ser sempre impactantes para mim. Charlie Haden com o trio e quarteto do Jarrett, o trio do Jarrett com Peackok. Miles, Coltrane, Mozart, Richard Strauss, Bach, Stravinsky, Monk, etc. E coisas extra-musicais que te inspiram? A minha familia, um bom vinho, um bom livro/ filme, as pessoas sem medo de serem felizes e que lutam para atingir esse fim sem prejudicar outros. Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas? Estudei muito, quando vivia em Boston, estudava mais ou menos 8 ou 9 horas diárias. A contar com aulas e sessões passava 12 a 14 horas no instrumento, uma loucura. Quando mudei para Lisboa ainda tinha a febre e lembro-me de estudar 6 horas, duas semanas depois a vizinhança passou-se, uma senhora do bairro desatou aos berros "chega de musica "##$%&!" e o meu vizinho da frente punha as colunas da aparalhagem à janela e metia musica bem alta, eu fechava a minha janela e continuava, acabou por mudar-se.... Nos últimos anos não estudo muito, 2 ou 3 horas quando tenho tempo e disponibilidade mental. No início a prioridade era aprender a tocar bem o instrumento, hoje também, mas tomando conta de todos os pormenores e com máximo grau de consciência , som, articulação , afinação, postura, etc. Tenho duas partes na minha rotina, estudo muito com arco, técnica e música em geral. A outra parte está determinada com os concertos que tenho pela frente, tento estar preparado o melhor possível. Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso? Não, nunca tive. Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento? Técnica é o meio para atingir as coisas que ouço na minha mente, a maneira de as organizar para que o discurso seja interessante e esteja relacionado com o momento da musica. Tanto pode ser tocar muitas notas como tocar muito poucas, basicamente acho que é a sensibilidade de estar presente em cada circunstância, e o afastamento das pretensões ou expectativas, sobretudo saber ouvir . E som do instrumento? Que idealizas para o teu som? Hoje em dia não idealizo nada para o meu som, tento ouvir-me sem expectativas . No meu instrumento o som é uma suma de factores importantes e é isso que pratico todos os dias, articulação, afinação, coordenação entre as mãos, etc. Ao vivo quanto mais acústico melhor, por isso tento estar atento ao material existente para conseguir isso. Ficas nervoso quando entras em palco? Nervoso nunca, às vezes sinto alguma ansiedade, mas está relacionado com a música que vou tocar, o grau de dificuldade, etc. Antes acontecia quando tocava com os meus grupos, sendo eu o líder estou mais preocupado com a música, ultimamente acontece menos, também a verdade é que acontecem menos concertos sendo eu o líder... E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que influenciam a tua prestação? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta? Em Boston tive a sorte de estar exposto a tocar à frente de pessoas que admiro e respeito, e acho que fiquei curado no momento em que assumi quem sou e como toco, sem pretensões . Quando tenho um concerto com alguém com quem possa ficar nervoso penso sempre em ser o mais honesto possível, sempre haverá pessoas que gostam do que fazes e pessoas que não, não há nada a fazer para além de sermos felizes com o que somos. Ouves rádio? No carro quando fico farto dos cd que levo. Ouço antena 2 e radio Amália em Lisboa. Às vezes M80. Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso? Interessa-me. Há muito boa musica e muita musica horrível aqui, como em todo o lado. Em geral a comunidade nestes últimos anos cresceu muito e fez com que aparecessem grupos e músicos interessantes, pena que haja muitos bons músicos e tão poucos sítios onde tocar. Também há alunos nas escolas com muito potencial e isso dá uma boa perspectiva de futuro. O que andas a ouvir ultimamente? Gosto de ouvir jazz, gosto de bebop, hard bop e coisas mais modernas, ultimamente confesso não ter tanta pachorra para estar a par do que acontece, há muita musica e muitos músicos. Ouço fado, tango e folclore Argentino, musica com raízes , Bill Evans, Drew Gress, Herbie Nichols, Paul Bley, Monk. Também gosto de ouvir os discos do pessoal, discos antigos e novos de colegas. Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos? Actualmente estou no processo de editar o meu 4º disco pela editora Fresh Sound (com Ernesto Jodos no piano, eu no contrabaixo, e o Marcos Cavaleiro na bateria) e estou a tentar arranjar concertos para o lançamento , nada fácil nos dias que correm. Tenho bastantes coisas com a OJM e alguns projectos dos quais estou contente por fazer parte. Daqui a 10 anos espero ter acabado de pagar a minha dívida à segurança social e continuar a fazer o que faço agora, tocar, praticar e viver em paz. http://demiancabaud.com/
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