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Chordophonia - Entrevista a Rui Camacho

18/5/2016

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Antes de mais, podes falar um pouco de ti, do teu percurso musical e quando e porquê te surgiu o interesse pelos cordofones madeirenses: Braguinha, Rajão e Viola D’Arame?
O meu interesse pelos cordofones tradicionais vem desde a idade de criança quando vi numa festa, familiares da parte da minha mãe a tocar instrumentos diferentes, estranhos e iguais aos que os grupos de Folclore usavam, mas que ninguém explicava que instrumentos eram aqueles. Sempre me despertou curiosidade por estes instrumentos. Sempre quis saber mais sobre estes cordofones e nunca encontrei explicações com argumentos pela parte da História que me satisfizesse porque eram coisas do povo sem grande importância. Era apenas ignorância dos homens da história e cultura.
Só nos fins dos anos 70, quando frequentava o FAOJ – Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis, na Rua 31 de Janeiro tendo como Diretora a Escultora Manuela Aranha, que fora minha professora de artes na EICF, aprendi que era - música tradicional. Conscientes da situação irrecuperável da música e dos instrumentos, em 1980/81, eu e um grupo de amigos criámos um grupo com o objetivo de recolher, inventariar, sistematizar, valorizar e divulgar a música e os instrumentos da tradição popular madeirense, contribuindo desta forma para a preservação daquilo que já nesta época considerávamos como património musical da Região a defender.
O sector erudito não valorizava os instrumentos populares, porque não os compreendia, logo ignorava/não reconhecia. A sua valorização começou a ser feita através do projeto Algozes que em 1990 mudou de nome para Xarabanda, mas mantendo o sentido de procura, o espírito, o respeito constante pela tradição musical madeirense.
Um dos objetivos da AMCXarabanda, é levar  o conhecimento da música e dos instrumentos musicais populares, como algo de valor a preservar e re-interpretar numa postura de respeito pela matriz original. A divulgação foi feita através do grupo “Xarabanda”, de edições de artigos publicados na Revista Xarabanda com o objetivo de introduzir novos dados, ações de sensibilização nas diversas escolas dos diferentes graus de ensino na Região designado por : Vendo, ouvindo e falando da música e dos instrumentos musicais da tradição popular madeirense, uma coleção de postais, um poster sobre Instrumentos Musicais populares da Madeira, de forma organizada e segundo a classificação organológica, vocacionada para a Educação e o público em geral. A edição dos 6 CDs do grupo Xarabanda privilegiando a sonoridade dos cordofones a sonoridade e na comunicação social local e nacional.
 
Na minha casa, sempre houve uma cultura musical constante urbana. Da família  da minha mãe era mais na vertente da música tradicional, do lado da família do meu pai eram músicos da banda dos “Guerrilhas” ou individual. Bisavô era trompetista, Avô tocava fliscórnio, pai bateria ou percussões, tios trompete, viola, primos directos ligados à prática musical na sua maioria cantores de grupos musicais. O meu pai tocou em pequenos grupos não conhecidos e chegou a ir ao estúdio do PEF - posto Emissor do Funchal cantar com os meus tios canções em voga na época. Sou primo legítimo do Sérgio Borges, cantor do “Conjunto Académico João Paulo” da década de 60/70. Em 1976 iniciei os conhecimentos musicais de leitura e prática instrumental em flauta Bisel no FAOJ com o professor Juvenal Abreu, que era o viola baixo do grupo de jazz “OFICINA”, e na viola com o professor Humberto Fournier, que também era na altura o guitarrista do “Oficina”. Depois fui para a Banda dos Guerrilhas aprender trompete, como não tinha lábios para tocar trompete, porque era o meu  instrumento preferido e sonhava ser como Louis Armstrong (foi a minha primeira influencia de música estrangeira que ouvira na rádio e mais tarde na TV), por sugestão do professor mudei para  o saxofone.
Aos 19 anos, fui cumprir o serviço militar para o Continente e quando regressei à Madeira, ingressei no Conservatório de Música da Madeira, na disciplina de flauta com o prof. Agostinho Bettencourt, durante 6 anos com o meu irmão, o José Camacho.  Paralelamente, e desde 1981, era músico responsável e fundador do projecto de recolha e divulgação da música e dos instrumentos populares madeirenses “Algozes” que mais tarde mudamos de nome para Xarabanda. Como músico tive uma breve passagem pelas  Orquestras de Música Antiga do Gabinete Coordenador de Educação Artística em 1986/88, onde tocava flauta de bisel tenor e 1990/91 pela Orquestra Ligeira da Madeira como percussionista. Projeto musical fundado pelo meu irmão, Joel Camacho. Participei durante alguns anos em grupos de carnaval ensinando os ritmos de marcha brasileira e samba, isto nos primeiros anos da década de 80. Em relação aos cordofones em questão, considero que estes são BENS DE INTERESSE CULTURAL PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA. São portadores de referencia e identidade cultural dos madeirenses.
 
De acordo com a minha experiência estes instrumentos sobreviveram graças à dinâmica dos tocadores populares existentes um pouco por toda a ilha e à persistência dos diversos grupos de Folclore desde 1938, ao trabalho realizado pelo jornalista e músico Carlos Santos, autor de três livros sobre a tradição musical madeirense, os quais foram importantes referencias para o estudo dos instrumentos e da música tradicional regional. 
Várias vezes fui convidado para orientar ações de formação sobre instrumentos populares da Madeira e apresentar comunicações sobre cordofones tradicionais madeirenses na região e em Lisboa. A Organologia é uma área do meu interesse. Desenvolvi um trabalho de sistematização dos instrumentos musicais da tradição popular madeirense, organizei duas exposições sobre este assunto "Património Musical da Madeira", uma edição de postais sobre os instrumentos populares da Madeira e um poster organizado de acordo com a  organologia. Coordenei, inventariei, classifiquei e escrevi para uma Edição de um CDROM sobre Instrumentos Musicais  da Tradição Popular Madeirense" em parceria com GCEA. Participei como músico em 6 edições discográficas sob a minha coordenação. Em 2008 no âmbito dos "500 Anos da cidade do Funchal, tive a meu cargo a coordenação e produção musical intitulado "Veredas da Atlântida - uma caminhada simbólica"  com 15 tema originais e 40 músicos de diferentes áreas musicais.
 
Há uma dúvida pertinente em relação aos cordofones, a denominação 'madeirenses' existe porque são originários da Madeira ou são oriundos de outro sítio mas são de facto uma marca na tradição madeirense?
Os nomes dos cordofones populares de tradição são originais da Madeira - endémicos, quer dizer que são  usados só na Madeira: braguinha, rajão e viola de arame, o que quer dizer que são nomes dados pelos próprios madeirenses há séculos, conservados até hoje. Temos conhecimento da designação popular destes 3 cordofones desde o século XIX. São sim, uma marca cultural madeirense.
 
É possível traçar uma espécie de árvore cronológica destes instrumentos? As suas origens e quando chegaram a Portugal e especificamente à Madeira? 
É importante aqui referir que, a origem de qualquer instrumento musical de tradição popular é sempre incerta, controversa e historicamente complexa. Por exemplo, falta de informação a nível da iconografia musical, e outros registos documentais, não nos permite avaliar com rigor esta questão. Sabemos que segundo dados históricos existente no Arquivo Regional da Madeira e na Torre do Tombo em Lisboa História, foi no século XV que partiram os primeiros povoadores para a Madeira e por lógica foram os primeiros povoadores que trouxeram consigo os referidos cordofones.
 
Para melhor compreender a questão de origem, o antropólogo Mesquita Lima no seu livro “Introdução à Antropologia Cultural” refere que todas as culturas  possui a sua própria história, entra em contacto com outras, que influencia ou é influenciada por elas, vai-se modificando com o tempo, transforma-se, e amplia o seu acervo cultural. A minha experiência, permitiu observar que, com o tempo as coisas vão adquirindo particularidades próprias de ser da região, as nossas coisas, que nos diz respeito. Aqui está a razão do sentimento de pertença de identidade cultural de um povo. Toda a inovação passa por um processo de adaptação e aos poucos vai sendo incorporado nos valores da tradição dessa região. Creio que foi assim o caso dos cordofones introduzidos na Madeira há séculos, numa lógica de receber e dar - temos o caso do braguinha que foi levado pelos madeirenses no século XIX  para as ilhas de Havai e deu origem a um outro instrumento muito  popular em todo o mundo com o nome “Ukelele".
Na minha opinião muito modesta sem conhecimentos históricos profundos, o braguinha e rajão são ibéricos. Há  documentos históricos no Arquivo Regional que  diz desde  o inicio do povoamento a Madeira espanhóis e canarinos passaram pela Madeira.
Hoje fazem parte da tradição musical da Madeira e Havai e bem enraizados na vivência da população madeirense.
 
Em que estilos e contextos musicais são/foram os cordofones maioritariamente utilizados e que outras fusões são dignas de destaque?  
Os cordofones tradicionais da Madeira sempre foram usados desde que eu conheço em contextos populares. Festas de carácter popular, arraiais em toda a ilha, sobretudo nas zonas rurais (convívios sociais de amigos, familiares, casamentos etc.) Integrados em grupo de tocadores informais, grupos de folclore, grupos de música popular e mais recente a partir de 1981, com aparecimento do projeto musical Algozes/Xarabanda, de adaptação de música tradicional recriada ou de re-interpretação,  mas com uma postura de respeito pela matriz original. Desde  inicio do século XX o braguinha e o rajão eram usados em agrupamentos, tipo orquestra de cordas em toda a ilha. Na iconografia musical, (pinturas, gravuras e fotografias existente no arquivo do "Museu Vicentes", onde estão diversos espólios fotográficos dos mais diversos fotógrafos profissionais da Madeira),   aparecem sempre estes instrumentos representados, excepto a viola de arame. A viola de arame não era utilizada pelas orquestras de cordas,  apenas aparece a nível individual e espontâneo. O rajão e a viola de arame não têm repertório próprio. Serve apenas de acompanhamento às danças, cantigas tradicionais em geral. O braguinha ou machete tem repertório erudito escrito no século XIX. Recentemente, a partir da década de 2000 alguns músicos mais virtuosos começaram a compor para estes cordofones, motivados pelo Xarabanda através de ações de sensibilização nas escolas, na comunicação social e através de edições. Os exemplos  dos músicos Vitor Sardinha (rajão e viola de arame), Paulo Esteireiro (braguinha), Roberto Moniz, Roberto Moritz (braguinha, rajão e viola de arame),mNuno Nicolau (viola de arame), Pedro Gonçalves, Guilherme Órfão, Vitor  Filipe (viola de arame, braguinha e rajão) e também o músico da área do Jazz, André Santos, que recentemente despertou interesse com muita sensibilidade por estes cordofones, pelo que nos deixa muita expectativa e interesse.
 
Ultimamente existe um crescente interesse por estes instrumentos. A que se deve este despertar? 
No meu entender o trabalho realizado pelo grupo Xarabanda desde 1981, que desbravou um caminho nunca antes feito,  de forma inovadora, chamando a atenção através de atuações/concertos comentados nunca antes feito, ações de sensibilização um pouco por toda a ilha e nas escolas da região e do Contiente. Aquando das comemorações dos 20 anos de atividade do Xarabanda, este grupo percorreu Portugal Continental, de Norte ao Sul, com concertos de divulgação  da música e instrumentos da tradição popular madeirense. Foi a partir do projeto Xarabanda que começou a surgir no panorama musical madeirense outros grupos baseado no modelo Xarabanda. Aos poucos. Não esquecendo também, o papel importante  na formação, e divulgação do Gabinete Coordenador de Educação Artística de então, pesquisando, investigando, editando assuntos relacionados com os cordofones populares da Madeira, sob a orientação do musicólogo, formado em Ciências Musicais pela Universidade Nova de Lisboa, o músico Paulo Esteireiro, que contribuiu para a  valorização  dos cordofones através de trabalhos de investigação de sua autoria e de diversas peças musicais  publicadas para braguinha.
Portanto há um trabalho feito ao longo dos 35 anos com o contributos de muitos: Associação Xarabanda, GCEA/DSEAM, Núcleo de música da Escola S Francisco Franco, os grupos "Encontros da Eira", "Banda d'Além" "Si que brade", os músicos Mário André, Roberto Moniz e Roberto Moritz, Humberto Pedras, da Camacha, Vítor Sardinha, alguns  grupos de Folclore, a Associação "Flores de maio" do Porto da Cruz, "Os Machetinhos  de Machim", de Machico e mais  recentemente o Conservatório de Música da Madeira, tendo como professor o Roberto Moniz.
 
Como gostarias que fosse o desenvolvimento e futuro dos cordofones? 
Um dos objetivos da Associação Xarabanda é contribuir para aumentar o número de praticantes destes três cordofones tradicionais madeirense, melhorar a qualidade técnica, atitude perante este cordofones e ultrapassar o condicionalismo do "Folclore limitado". Criar novo repertório próprio para estes cordofones, criar referencias junto dos mais novos e encher a praça do Município de tocadores numa atitude de convicção assumindo  a sua identidade cultural. Que estes instrumentos sejam uma referencia para os mais novos.
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Chordophonia - Entrevista a Vítor Sardinha

5/2/2016

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Antes de mais, podes falar um pouco de ti, do teu percurso musical e quando e porquê te surgiu o interesse pelos cordofones madeirenses: Braguinha, Rajão e Viola D'Arame?
Comecei a tocar viola dedilhada (guitarra clássica) com o meu tio Lídio Dias violista e guitarrista de fado, aos 13 anos. Aos 14 fui para o Conservatório de Música da Madeira e fui aluno do professor António Pires. O meu professor colocou-me numa turma especial, percebi isto quando lá cheguei, pois os meus dois colegas eram o Luís Filipe Aguiar e o Humberto Fournier, dois músicos consagrados já pelo seu percurso musical nas noites do Funchal. Recebi aulas com os três, a formal com técnica e leitura com o meu professor, e a outra, a ‘’escola’’ dos músicos que eu designo por «ver, ouvir e tocar» com estes colegas e depois, amigos. Fiz o Curso Geral de Guitarra com todas disciplinas inerentes ao curso, e em simultâneo, comecei a tocar nos hotéis, primeiro fazendo férias de músicos e grupos depois a contrato individual de trabalho.
O Rui Camacho, actual presidente da Associação Musical Xarabanda lançou-me um desafio em relação aos cordofones madeirenses. Essa foi a minha primeira abordagem, a partir de uma leitura e prática de um congénere, a guitarra clássica. Comecei a praticar os três cordofones, abraçando com mais intensidade o rajão e a viola de arame. Em 1997, fundei no âmbito do Gabinete de Apoio à Educação Musical e Dramática, a classe de Instrumentos tradicionais madeirenses no 1º Ciclo do Ensino Básico. Comecei a compor e a tocar para o rajão e a viola de arame, tendo já actuado e gravado em exclusivo com estes instrumentos, bem como me apresentado fora da Madeira e até de Portugal a tocar os mesmos, realidade que nunca tinha imaginado vir a fazer. Assumi pedagogicamente a direcção do Curso de Rajão e Viola de Arame, durante 5 anos, no Conservatório de Música da Madeira (2008-2013).

Há uma dúvida pertinente em relação aos cordofones, a denominação 'madeirenses' existe porque são originários da Madeira ou porque, embora oriundos de outro sítio, são de facto uma marca na tradição madeirense ?
Quando me responderem porque é que a ‘’braguesa’’ é de Braga; a ‘’amarantina’’ é de Amarante; a ‘’campaniça’’ dos campos alentejanos; a ‘’micaelense’’ é de São Miguel, Açores, e a ‘’terceirense’’ da Ilha Terceira, também dos Açores, tenho a minha resposta dada. A música tem também geografia dos instrumentos, aqueles que fazem parte, que integram, que não são dispensados na revisitação da tradição, os que se perpetuam na tradição local e regional. ‘’Madeirenses’’ por serem tocados cá, nos géneros mais antigos como por exemplo, o Charamba ou o Baile da Meia Volta no Porto Santo, praticados há 200 anos….pelo menos! Estes géneros musicais são executados desde sempre com a Viola de Arame. A nossa viola….Tem uma afinação diferente de todas as violas nacionais: RÉ,SI,SOL,RÉ,SOL (do agudo para o grave). A Viola Madeirense, é legítimo chamá-la assim, é uma das violas portuguesas. Estas têm o mesmo fundamento, uma caixa em forma de 8, 5 ordens de cordas, que podem ser duplas ou triplas), a nossa tem também o cunho dos mestres violeiros da Madeira, em actividade segundo Lambertini, desde o virar do séc. XVIII para o séc. XIX com António Quintal.
Quanto ao Rajão, único, no panorama musical português, é construído, praticado e ensinado apenas na Madeira. Não se constrói, pratica ou ensina em Portugal Continental, nem nos Açores nem tão pouco em nenhum país de língua oficial portuguesa. É necessário perder o medo das palavras, e usar a palavra ‘’ibérico’’, para referir que ainda hoje este instrumento, de 5 cordas, afinação reentrante, muito utilizado no Renascimento e Barroco, continua a ser construído, praticado e ensinado em muitos conservatórios de…Espanha. Na Comunidade Valenciana, Murcia, Ilhas Baleares, Aragon, Navarra, Ilhas Canárias, tomando vários nomes como: Guitarrilo, Requinto, Quinto, Guitarro, Timple ou Ti’ple. Resumindo são uma marca da Tradição Madeirense.
Muita da investigação livresca, domiciliada em Lisboa, nunca saiu ao terreno. Por isso, muitos destes instrumentos e aspectos da tradição não foram recolhidos no local, e como não constavam dos jornais da época, geralmente citadinos e burgueses, no que à música diz respeito, simplesmente não existiam…não constavam dos ficheiros de leitura! Ainda hoje, vemos que por exemplo, no manual para o 2º Ciclo do Ensino Básico, da Texto Editora (António Neves, David Amaral e Jorge Domingues) quando são tratados os cordofones tradicionais portugueses e outros instrumentos populares, a Região da Madeira é apenas representada pelo Brinquinho…! O livro é recente e muito utilizado nas nossas escolas nacionais....

É possível traçar uma espécie de árvore cronológica destes instrumentos? As suas origens e quando chegaram a Portugal e especificamente à Madeira?
Penso que temos de incluir sempre a Península Ibérica, e não ficarmos apenas pela parte portuguesa do violeiro Belchior Dias (1581).

Em que estilos e contextos musicais são/foram os cordofones maioritariamente utilizados e que outras fusões são dignas de destaque ?
O Brasil tem marcado o caminho da evolução dos cordofones, em especial da viola de arame e do cavaquinho ( braguinha), que se tem apresentado em todas as culturas e géneros musicais e artísticos. No caso do rajão, está bem documentada a sua presença através da emigração madeirense para as Ilhas do Havai, desde 1879, com construtores e músicos, possibilitando o aparecimento do Ukulele, que utiliza o corpo do pequeno braguinha, mas tem a afinação reentrante do Rajão. A música popular, o Jazz e o Music Hall americano tornaram-no planetário, a partir dos anos 20 do século passado. No meu caso pessoal, tenho redescoberto repertório do Renascimento e do Barroco, e para além deste, tenho adicionado alguns temas de Swing Jazz, na prática musical.
Ultimamente existe um crescente interesse por estes instrumentos. A que se deve este despertar?
O despertar deve-se à acção concertada tanto dos músicos, quanto das instituições públicas da Madeira, com referência ao Xarabanda, a Secretaria da Educação (DSEAM), os núcleos de música das escolas públicas, as Casas do Povo e o Conservatório de Música da Madeira.

Como gostarias que fosse o desenvolvimento e futuro dos cordofones?
O futuro passa pelo ensino profissional, pela gravação de música instrumental de diferentes épocas e estilos, pela digressão de músicos insulares pelo país, pela investigação e edição, que tem de ser nacional, para garantir a visibilidade necessária das práticas musicais madeirenses.
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Chordophonia - Entrevista a Paulo Esteireiro

26/1/2016

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Antes de mais, podes falar um pouco de ti, do teu percurso musical e quando e porquê te surgiu o interesse pelos cordofones madeirenses: Braguinha, Rajão e Viola D'Arame ?  
Iniciei os estudos musicais aos 3 anos de idade na Academia de Música da Liga dos Amigos de Queluz, tendo começado na iniciação musical infantil. Depois estudei piano a partir dos 6 anos e aos 12 mudei para guitarra clássica. Além desta academia, estudei ainda na Escola de Música Nossa Senhora do Cabo (Linda-a-Velha), no Conservatório de Sintra e mais tarde na Academia de Amadores de Música (Lisboa), onde frequentei o 8.º grau de guitarra. Fiz depois estudos superiores na área da musicologia e concluí os graus de licenciatura (1999), mestrado (2004) e doutoramento (2012), na Universidade Nova de Lisboa.    Depois de trabalhar na área da música em Lisboa, nos Açores (​Ilha Graciosa) e em Bragança, vim para a Madeira trabalhar no então Gabinete Coordenador de Educação Artística onde percebi que ensinavam estes instrumentos tradicionais. Fiquei especialmente fascinado pelo livro editado pelo Prof. Manuel Morais com obras do século XIX de Candido Drumond de Vasconcelos e pelo virtuosismo dos professores Roberto Moritz e Roberto Moniz. Conheci então o construtor Carlos Jorge Pereira e encomendei-lhe um braguinha. Logo nesse ano, tive um convite do Rui Camacho da Associação Musical e Cultural Xarabanda para compor para este instrumento. Fui fazendo composições e explorando o potencial do braguinha e, anos mais tarde,acabei por editar um livro de partituras como forma de contributo pessoal para a renovação do repertório deste instrumento. Creio que seria essencial ter uma coleção, onde diferentes autores publicassem um conjunto de composições de qualidade média e superior, de modo a renovar o repertório dos cordofones. Esta é uma das melhores estratégias para divulgar na Madeira, em Portugal Continental e no estrangeiro estes instrumentos. Por exemplo, o livro que publiquei, apesar de despretensioso, recebeu elogios de pessoas do Brasil, de França ou de Inglaterra. Entre essas pessoas, estava por exemplo um aluno da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que se encontrava em 2014 a tirar o curso superior de cavaquinho e que disse que o seu professor, o famoso cavaquinista Henrique Cazes, ficou contente por saber que havia obras de qualidade editadas em partitura em Portugal. Agora, se tivéssemos um conjunto alargado de compositores para este instrumento, a qualidade subiria e conseguiríamos maior projeção dos instrumentos da Madeira.  

Há uma dúvida pertinente em relação aos cordofones, a denominação 'madeirenses' existe porque são originários da Madeira ou porque, embora oriundos de outro sítio, são de facto uma marca na tradição madeirense ?  
Estes instrumentos são sem dúvida uma marca da Madeira e os madeirenses sentem-nos como sendo instrumentos típicos da sua região e parte da sua identidade. Claro que esta designação de “madeirenses” aplicada à viola de arame e ao rajão é bastante recente, sendo defendida esta relação com a Madeira principalmente a partir dos trabalhos de Carlos Santos na década de 1930. Já o caso do braguinha parece ser ligeiramente diferente. Desde a primeira metade do século XIX há relatos de estrangeiros a referir-se ao machete (designação dada ao braguinha na época) como sendo um instrumento típico da Madeira.  A verdade é que estes cordofones têm relações de familiaridade evidentes com outros instrumentos tais como o cavaquinho, o timple, o ukulele ou as violas de arame espalhadas pelo mundo. São instrumentos que apesar de terem provavelmente raízes fora da Madeira, aqui tiveram um grande protagonismo na vida social, constituindo variantes com especificidades que são exclusivamente madeirenses na atualidade. Acima de tudo, estes instrumentos são importantes por permitirem fazer pontes musicais com outros pontos do globo onde os portugueses e os espanhóis tiveram forte influência cultural.  

É possível traçar uma espécie de árvore cronológica destes instrumentos? As suas origens e quando chegaram a Portugal e especificamente à Madeira ?  
É muito difícil estabelecer essa árvore cronológica, a qual está ainda por realizar com rigor. É sabido que o machete era tocado na Madeira na primeira metade do século XIX e terá tido influências dos machetes construídos no continente, embora não se saiba se via Lisboa, Coimbra ou Braga. Pessoalmente, acho que há uma forte relação com Lisboa, mas é apenas um palpite. Quanto ao rajão, o número de cordas e afinação aponta para uma origem espanhola, tendo surgido na Madeira aparentemente apenas na segunda metade do século XIX, mas é difícil também precisar. O que é certo é que antes dessa altura não encontramos referência ao termo rajãonos periódicos. O mesmo acontece com a viola de arame, que não é referida nos jornais da Madeira em todo o século XIX. É um mistério a sua introdução na região. É sabido que a viola aparece nas tunas que surgiram no final do século XIX e que se espalharam no primeiro quartel do século XX pela Madeira, tendo possivelmente sido difundido popularmente na região através destes agrupamentos.  

Em que estilos e contextos musicais são/foram os cordofones maioritariamente utilizados e que outras fusões são dignas de destaque ?   
O Braguinha foi utilizado no século XIX para tocar a música de salão, principalmente danças – valsas, quadrilhas, polcas, etc. - e alguns temas e variações muito virtuosos, de estilo brilhante. É impressionante o facto de terem sobrevivido centenas de composições para machete desse período. É um património muito rico da Madeira e um motivo de orgulho para todos os madeirenses. No século XX, quando é abandonado nos salões, começa a aparecer nas tunas e em contexto popular, mas integrado nos géneros musicais da tradição popular e naturalmente sem qualquer registo em partitura. Quanto ao rajão e viola de arame, participamprincipalmente em contexto popular, integrados em tunas, no charamba ou em pequenos agrupamentos. Atualmente, na última década, devido ao trabalho dos professores Vítor Sardinha – no rajão e na viola de arame – e Roberto Moritz – no braguinha, principalmente, mas também no rajão e viola de arame – estes instrumentos têm sido utilizados de forma mais rica, com exploração das suas potencialidades em diferentes géneros musicais (jazz, rock, tradicional, blues, pop, etc.). Salienta-se também o trabalho do professor Roberto Moniz que tem ensinado uma grande variedade de estilos a um conjunto muito diversificado de alunos e que tem deixado um legado de grandes tocadores, sendo um excelente professor que sabe aproveitar muito bem o potencial dos alunos. Tem uma dedicação impressionante, a qual lhe tem trazido bons resultados.  

Ultimamente existe um crescente interesse por estes instrumentos. A que se deve este despertar?   
Este despertar deve-se essencialmente ao trabalho do ex-Gabinete Coordenador de Educação Artística que começou a ensinar estes instrumentos nas Escolas da RAM e na Divisão de Expressões Artísticas (DEA). Isto permitiu criar lugares de professor de instrumentos tradicionais que foram ocupados na DEA pelos principais músicos: Vítor Sardinha, Roberto Moniz, Roberto Moritz e Ricardo Agrela. O professor Manuel Morais, apesar de não residir na região, contribuiu para o despertar do interesse por estes instrumentos, principalmente pelo impressionante trabalho de edição de partituras para machete e pela investigação realizada sobre os principais músicos do século XIX. Coordenou igualmente duas edições para a Coleção Madeira Música, onde se gravou obras para machete solo, mas também composições muito interessantes de música de câmara. Além destes professores surgiram igualmente nas escolas da RAM um conjunto alargado de docentes que devido ao Gabinete ensinam estes instrumentos nas escolas. O trabalho da Associação Musical e Cultural Xarabanda foi igualmente pioneiro, por ser a associação que começou a chamar a importância para estes instrumentos. Atualmente tem uma escola de música tradicional que tem igualmente valorizado muito estes instrumentos. Finalmente, a recente introdução destes instrumentos no Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira veio trazer um crescimento no estatuto destes instrumentos e irá certamente trazer novos frutos no futuro.  

Como gostarias que fosse o desenvolvimento e futuro dos cordofones?  
Gostaria que os cordofones passassem a ser o instrumento principal nas salas de aula do ensino genérico, substituindo gradualmente a flauta de bisel ou que pelo menos fosse ensinado de forma complementar a este instrumento. O braguinha, por exemplo, permite tocar melodias e acompanhar o canto com acordes sem grande dificuldade. Temos o problema do custo dos cordofones que é muito superior à flauta de bisel, mas é possível em algumas escolas ter instrumentos suficientes para os alunos desenvolverem a aprendizagem deste instrumento nas escolas, assim queira o professor de música. No plano profissional, gostaria naturalmente que cada vez mais músicos incluíssem estes instrumentospontualmente nas suas práticas musicais e que criassem composições originais e atrativas para os futuros aprendizes. Só com músicos de elevado valor e que sejam vistos pelas crianças e jovens como modelos, poderão estes instrumentos sobreviver num mundo musical cada vez mais competitivo. 

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Entrevista XIII - João Paulo Esteves da Silva

1/1/2014

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Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso.
Muito de passagem, para não doer. Aprendi a tocar piano muito cedo, aos 4, 5 anos, mas só me apaixonei pela música mais tarde no início da adolescência quando comecei a querer tocar rock com amigos do bairro e do liceu. Nessa altura queria ser guitarrista…depois descobri que o meu destino era outro e, nomeadamente, que o piano levava já um grande avanço em relação à guitarra em termos de integração corporal. Hoje, continuo a gostar muito mais de música do que de piano mas reparo que, pronto! faz parte do meu corpo, e já não há nada a fazer.

Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música?
Para dizer a verdade, não tento nada, não tenho intenções desse género. Espero que a música passe, claro, mas não faço nada de especial nesse sentido, pelo menos em termos conscientes. A música-sobretudo para o improvisador-é uma coisa que acontece ; a intenção, no meu caso, é a de poder e conseguir estar à altura do acontecimento. Todo o trabalho de preparação e de estudo se dirige para esse fim.

Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico?
Acho que já comecei a responder um bocadinho. A grande qualidade para mim, a mais imprescindível, certamente, é a escuta; nos seus variados aspectos e meandros, seja: subtileza de análise, rapidez, atenção a si mesmo, ao próprio corpo e ao(s) outro(s)  etc... a escuta condiciona a técnica e só ela permite que o virtuosismo eventualmente faça sentido.

No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia?
Sim, dou extrema importância ao que se passou para trás. A tradição, no jazz, é, felizmente, uma história de excelência musical. Os grandes músicos do passado continuam bem presentes ou seja, continuam a ter futuro. Agora, respeitar não significa apenas imitar (se bem que toda uma parte da formação/aprendizagem tenha que ser imitativa) mas sim continuar, poder acrescentar novos episódios à história, sejam eles episódios grandiosos ou modestos…

Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram/são uma inspiração para ti?
Variadíssimas correntes e estilos: a música clássica, Bach, Mozart, Beethoven, Purcell… grupos como os Beatles, Pink Floyd, Génesis, Steve Winwood, Kate Bush… os chamados canto-autores nacionais e estrangeiros Sérgio Godinho, Zeca Afonso, Bob Dylan, Paul Simon…No jazz todos os «grandes» me continuam ainda a inspirar e a ensinar: Parker, Miles, Bud Powell, Bill Evans, Lennie Tristano, Wes Montgomery, Ornette, Paul Bley, Keith Jarrett entre muitos outros... Um dos discos que mais me marcou, acho eu, foi  «The Survirvors Suite» do Keith Jarrett com o quarteto americano. Tê-lo-ei ouvido umas centenas de vezes. Ajudou-me a descobrir a minha condição de músico português..

E coisas extra-musicais que te inspiram?
Dedico-me a muitas outras coisas além da música, a maior parte delas terão a ver com letras, poesia, filosofia, línguas; sou um estudioso assíduo da língua hebraica, por exemplo. Também me tenho vindo a tornar cada vez mais sensível às artes plásticas, pintura e fotografia sobretudo. Recentemente tive ocasião de realizar uma curta metragem…enfim, não sei até que ponto tudo isto me inspira para a música ou, vice-versa, se é a música que me leva para estas coisas, inclino-me mais para esta última possibilidade.

Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas?
Houve um tempo em que estudei muitas horas diárias de piano. Tempo violento, certamente necessário mas que, graças a deus, já passou. Hoje em dia o meu estudo, no que toca à música, dirige-se para a preservação e se possível melhoria da escuta; e é algo que faço com e sem o piano. Pratico cada vez mais com a voz. Por ex: exercícios polifónicos em que canto uma das partes e toco as outras, no piano ou no acordeão; ou então exercícios de independência rítmica. Mas quando me sento ao piano, em casa, a maior parte das vezes, é para ler um pedaço de música clássica, Bach, Mozart, Chopin...também não há dia em que não toque um ou dois standards, tirados à sorte, ou um solo do Parker, em todos os tons, coisas deste género.

Que importância dás à composição?
Nos últimos tempos tenho dado mais importância à improvisação do que à composição com possibilidade de corrigir; mas, no fundo, o processo é muito semelhante. É só uma questão de velocidade. Fazer 10m de música em 10 minutos, e não em dez dias, por ex (esta é a definição do Bill Evans).  O ser improvisada não desculpa falhas no acabamento da obra, antes pelo contrário.

Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso?
Gostava de ter estudado mais a fundo o Lennie Tristano; a minha admiração por ele tem vindo a crescer. E, ainda assim, tenho conseguido estudar um pouco mais a linguagem dele, nos últimos tempos, mas precisaria de uns dois ou três meses sem telemóvel…coisa que não vai acontecer, claro.

Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento?
Vem mesmo a propósito o ter falado do Lennie Tristano. Ele dizia que a técnica é capacidade de expressar, sem entraves, as ideias musicais. Concordo plenamente; quanto menos entraves, melhor técnica. Um exemplo de grande técnica é o que se encontra em Thelonious Monk. Sei que esta minha afirmação pode surpreender, já que a técnica pianística do Monk não é das mais ortodoxas; mas o que é facto é que ele utiliza com mestria a técnica mais adaptada à sua própria música. Ninguém soa tão bem a tocar Monk como o próprio Monk. Nisto consiste, para mim, a excelência da técnica.

 E som do instrumento? Que idealizas para o teu som?
Ao contrário dos outros elementos da banda, eu nunca toco no meu instrumento. É uma das condições do pianista ter que se adaptar a variações que vão do Steinway sublime ao inominável chaveco. Mas seja como for o timbre faz parte da linguagem musical, com uma importância que varia com a música e os músicos. No meu caso, a importância do timbre tem vindo a crescer na minha linguagem. Aproveito para referir um músico actual que muito admiro e que é um mestre neste aspecto específico do timbre, para além de ser um músico fabuloso sob qualquer aspecto: o pianista Craig Taborn.

Ficas nervoso quando entras em palco?
Já não. Fico num estado alterado, mas não propriamente nervoso.

E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que influenciam a tua prestação? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta?
Sim, os pensamentos parasitas fazem parte dos inimigos da concentração. O ideal é só pensar em música e é maravilhoso quando isso acontece. Mas também acontece os parasitas poderem ser mantidos num canal que não prejudica a música. É estranho, dá-se às vezes como que um desdobramento da personalidade: alguém começa a pensar em coisas parasitas mas isso não impede o outro, que é o mesmo, de continuar a tocar, concentrado, sem lhe ligar nenhuma.

Ouves rádio?
Um pouco. Durante o pequeno-almoço, às vezes. E ao fim da tarde, antes do jantar.

Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso?
Claro que sim. Sem ter a pretensão de estar a par de todas as novidades, tenho a sensação de que a «cena do jazz» está a crescer muito saudavelmente. Por exemplo, enquanto professor, na ESML e na Universidade Lusíada, tenho visto passar casos muito sérios; de jovens que combinam talento e capacidade de trabalho e que, assim sendo, vão dar novos mundos ao mundo.

O que andas a ouvir ultimamente?
Um amigo, aqui há semanas, enviou-me um link do youtube para uns vídeos da Judee Sill, uma cantora Folk-Rock dos anos 70. Não conhecia, e fiquei completamente apanhado por aquilo. Ainda não consegui parar de ouvir. A rapariga morreu de overdose em 1979, creio, e era mesmo genial.

Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos?
Nos tempos que correm, o que eu gostaria de levar mais longe, em concertos e gravações, seria o trio NO PROJECT com o Nelson Cascais e o João Lencastre. Ou seja, a improvisação no primeiro sentido da palavra, o tocar sem plano prévio. Talvez daqui a uns tempos volte a reunir temas para um grupo que seria o contraste, o pólo oposto, um YES Project, ou JES( João Esteves da Silva) Project. Não sei quando será, mas já faltou mais…
Daqui a 10 anos quem sabe se não quererei voltar a tocar música clássica em público, veremos…


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Entrevista XII - Jorge Reis

2/12/2013

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Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso.
Antes de mais!! Iniciei o meu percurso musical aos 6 anos, na música clássica, instrumento violino. Na adolescência comecei a prestar atenção ao Rock (Beatles, Genesis, Led Zeppelin, géneros diversos, portanto), depois ao Jazz (primeiro Jazz Rock, que fundia os 2 estilos, por exemplo Mahavishnu Orchestra e Return to Forever).  Um fascínio pelo saxofone surgiu, e aos 23 anos comprei o meu 1º sax, e abracei o bebop, mas também a improvisação com poucas barreiras estilísticas, penso que como consequência das minhas predileções no universo da música clássica. Gostava, e gosto, de Brahms, Bach, Chopin, Liszt, Chostakovitch, Ravel, Richard Strauss, Wagner, Stravinsky... Tudo isto permeou as minhas opções musicais (de forma inconsciente, enquanto me pude dar ao luxo da inconsciência). Quando optei pelo Jazz trazia na bagagem um património de música clássica que molda, até hoje penso eu, a minha abordagem ao discurso musical improvisado.

Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música?
Aquilo que me atraiu na música foi a capacidade de falar uma língua diferente, sem palavras, que me tomava de assalto, uma experiência de realização espiritual que me pareceu ser o melhor de mim enquanto ser humano, e essa sensação nunca me abandonou. Penso que a comunicação, a passagem dessa sensação para os outros, terá aparecido um pouco mais tarde, mas a partir do momento em que apareceu foi-se convertendo numa vertente crucial na maneira como a música faz parte da minha vida.

Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico?

Admiro num músico a sua total subserviência à música, a rendição pessoal ao milagre, e o prazer que desta maneira um músico consegue obter para si próprio, para os outros músicos e para quem ouve. O lirismo, o valor poético e melódico, também me seduzem. A  destreza rítmica, a capacidade de ouvir os outros e tocar com e pelos outros.

No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia?

Penso que a tradição não é um valor respeitável em si próprio, não é difícil encontrar tradições pouco respeitáveis, será a lógica do avanço civilizacional. No caso do Jazz em particular, aquilo que se chama tradição são componentes estilísticas que se afirmaram ao longo dos tempos, umas foram sobrevivendo, outras não. Não existe desrespeito quando se fazem opções musicais que rompem com o passado, assim como a validade das tendências de uma determinada época não depende da sua afinidade com o que foi feito antes. Dito isto, aprecio a maneira como cada época incorpora componentes de tradições de épocas anteriores, e acho que estudar o passado e aprender com o passado isso sim é intrinsecamente válido, a humanidade contém em si a predisposição para a mudança proveniente justamente do conhecimento anteriormente adquirido.

Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram/são uma inspiração para ti?

Não vejo que alguma corrente me tenha influenciado especialmente, mas sim músicos, daí resultando as correntes que eles próprios seguiam ou seguem.
Keith Jarrett, Wayne Shorter, Joe Lovano, Art Tatum, Lee Konitz, Brad Meldhau, Chris Potter, Perico Sambeat, Julian Arguelles, Charlie Parker, Phil Woods, Herbie Hancock, Dexter Gordon, Miles Davis, John Coltrane, Chick Corea, Bill Evans, Jim Hall, Wes Montgomery, Michael Brecker, Cannonball Adderley, Freddie Hubbard, Charlie Mingus, Clifford Brown, Booker Little, Kenny Garrett, David Binney, John Scofield, Dave Holland, Kurt Rosenwinkel, Kenny Wheeler, Mark Turner, Kris Bauman, Thomas Morgan, Jan Garbarek, Jordi Rossy, Nasheet Waits, Bill Stewart, Charlie Haden, Dewey Redman, Paul Motian, Ornette Coleman, Elvin Jones, Dave Douglas. Outros, muitos outros, em menor grau de lembrança.
Portugueses:
André Sousa Machado, João Paulo Esteves da Silva, André Fernandes, João Moreira, Afonso Pais, Nuno Ferreira, João Lencastre,  Óscar Graça. Outros, em menor grau de lembrança.

E coisas extra-musicais que te inspiram?

Inspiram-me a observação do panorama humano, das emoções, da expressão artística que nos atrai e subjuga, o cinema, a poesia, a empatia, musical e pessoal, com outros músicos. O sentido de partilha de um milagre do qual a comunidade musical fala quotidianamente, a trivialidade com que falamos de coisas tão pouco triviais, a transcendência que, de forma  tão sublimemente casual, nos leva ao colo e transfigura. Inspiram-me os animais, a natureza, a beleza inerente à nossa tentativa esperançosa, desesperada e comovente de fazer sentido do desconhecido, do temido, do alheio e inatingível.

Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas?

O estudo pertence ao domínio do percurso individual, sendo que é muito importante, na esmagadora maioria dos casos. Não pratiquei o suficiente, mas sinto que não é tarde. Coloco ênfase na estruturação do estudo, na sua repartição por conteúdos, seguida de junção progressiva e, se tudo correr bem, total. Pratico som, técnica, ritmo, melodia, harmonia, e construção, condução e elaboração do discurso improvisado, como percurso para a reunião de factores.

Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso?

Penso que existe conveniência em não conferir a esta problemática o estatuto de “fantasmas”. Os músicos improvisadores devem estar despertos, atentos, por definição. Incorporar influências nunca deve ser descartável, logo está-se sempre a tempo. “Deveria ter” equivale a dar por encerrada a pesquisa, a pergunta. Não pode, ou pelo menos não deve, ser compatível.

Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento?

A velocidade é uma das componentes importantes da técnica, velocidade equivale a acréscimo de energia, acréscimo de variabilidade de opções. Portanto nunca é demais o número de notas por segundo que se consegue tocar. No entanto características como expressividade, timbre,  domínio rítmico, volume, utilização de acessórios tecnológicos, são igualmente importantes na aquisição de domínio técnico. A técnica inclui a velocidade, mas não se esgota na velocidade.

E som do instrumento? Que idealizas para o teu som?

Não sei descrever por palavras. Desejo que o meu som seja mágico, me cative e cative os outros. Quero comunicar através do som, quero que o meu som seja moldado pela música a que me desejo juntar e acrescentar algo de pessoal.

Ficas nervoso quando entras em palco?

Fico, por vezes, outras vezes não fico.

E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que influenciam a tua prestação? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta?

“O público não se cala” é um parasita recorrente, tenho dificuldade em aplicar uma estratégia que combata eficazmente o problema. A “pessoa X” também interfere, por vezes, na minha prestação, remeto para a pergunta anterior.

Ouves rádio?

Só no carro, e como não guio, não ouço por aí além.

Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso?

Sim. O Jazz português interessa-me, somos uma comunidade que viaja em conjunto. À música clássica portuguesa estou menos atento, sempre na esperança de emendar a mão. A música popular, rock, e pop portuguesas interessam-me porque reconheço nelas qualidade, identidade e dinâmica cultural. Também como praticante que fui, e continuo a ser, de músicas que não o Jazz, por maioria de razão. Talvez seja mais funcional citar nomes: José Mário Branco, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Janita Salomé, Clã, JP Simões, Carlos Paredes. De outros me lembrarei noutra oportunidade.

O que andas a ouvir ultimamente?

Tenho os meus “heróis”,  uns intemporais, outros mais, ou menos, efémeros (já os referi). Depois é uma questão de gestão de tempo, espírito e opcão profissional. Repito, revisito, descubro,redescubro, dedico exclusividade... Gosto de ouvir o mesmo disco, os mesmos solos, vezes sem conta, porque a gratificação se mantém, e o porquê, o mistério, são indecifráveis ao ponto de não fazer tenção de interromper. Penso na invenção e crença do ser humano, “daqueles” seres humanos que inventaram, e na circunstância intelectual e espiritual que desencadeou neles a criação da música que admiro. Imploro-lhes que me comovam, e sou atendido, sempre, uma e outra vez.

Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos?

Actualmente ando a tentar tocar o meu melhor, com as melhores pessoas/músicos que estão disponíveis para mim. Daqui a 10 anos espero estar a fazer o mesmo. E a compor.

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Entrevista XI - Carlos Barretto

1/11/2013

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Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso e dos momentos que mais te marcaram até hoje.
Sou uma pessoa simples.
Nasci a ouvir jazz. Nos dias de hoje já é normal as pessoas nascerem a ouvir jazz, mas nos anos cinquenta isso era uma raridade extravagante, pelo que me senti abençoado e privilegiado

(sobretudo num país  como o nosso, então subjugado pela ditadura) por ter tido uns pais que ouviam jazz. Também não havia computadores nem telemóveis, éramos obrigados a copiar os solos dos grandes mestres directamente a partir dos discos 33 rotações e um pouco mais tarde em gravadores de cassete.
Quando era miúdo ouvi grandes músicos, como Mal Waldron ou Lee Konitz e anos mais tarde viria a tocar com eles, tomar consciência disso por si só é um facto marcante na minha vida e mais uma vez penso que fui afortunado...

Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música?
Quando estou a tocar eu não tento nada, eu não penso, apenas sinto e deixo-me ir, deixo fluir...mensagem? A música está feita para partilhar sensações, para elevar a alma, não há mensagem. Há apenas um sublimar do espírito.

Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico?
Para mim um bom músico é um gajo que já amadureceu como o vinho do Porto, depois de ter dado umas voltas ao mundo, depois de ter passado anos a tocar e a estudar com as pessoas certas, é um gajo que  já não copia os seus ídolos, que não debita malhas estudadas, que constrói a sua voz pessoal pois todos temos uma e todos somos diferentes e únicos.

No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia?
A tradição é o legado cultural que vem do passado, é a memória da própria história. São as fundações, os pilares de uma casa. Conhecendo a tradição estamos preparados culturalmente para fazer a revolução. As regras existem para ser quebradas, mas se não as conhecermos não vamos a lado nenhum. Para mim, respeitar a tradição é conhecê-la e curvar-me perante ela. Mas nada nos impede de experimentar caminhos novos.

Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram uma inspiração para ti?
Sempre gostei de aprender coisas novas mas de forma gradual, tudo  precisa do seu tempo para ser digerido, o free jazz, por exemplo, foi uma revolução complicada para o meu entendimento, mas depois de múltiplas audições, depois de escutar inúmeros músicos ao vivo, a coisa foi entrando, demorou anos, ainda hoje há cenas que me irritam ouvir...

E actualmente, que músicos te inspiram?
Hoje em dia muita música me inspira, não só o jazz, a minha relação com o jazz está a entrar numa fase de saturação, isto é, quando oiço jazz constato um nível técnico impressionante nos jovens músicos de hoje, mas falta-lhes algo, uma voz própria, intensidade, é normal, andam todos a tentar tocar como o Parker, Coltrane, Rollins ou sucedâneos...para não falar dos estilos de jazz praticado, que me soam repetitivos e de fórmulas já muito utilizadas no passado. Dentro da música de jazz prefiro escutar os grandes mestres (Miles, Coltrane, Ornette, Bill Evans)...

O que andas a ouvir ultimamente?
Neste momento ando a ouvir um instrumento africano fantástico, a "Kora", tocada por Toumani Diabaté e Ballake Sissoko em duo, esta música inspira-me, transmite tradição e espontaneidade, toda a essência do ritmo africano, que como todos sabemos está na origem do jazz.

Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas?
Tirei o curso do Conservatório. Nos dois primeiros anos de contrabaixo andei a marcar passo, depois interessei-me muito pelo estudo nos anos seguintes e  entrava no conservatório às 9 da manhã e saía de lá às 5 da tarde, fazia 6, 7 horas diárias, gostava de estudar num instrumento do século XVlll que lá havia (ainda lá está), tinha sido propriedade do rei D. Carlos que o doou ao conservatório, um belíssimo instrumento...
Depois também frequentei a primeira escola do Hot Clube, em 1979, estive só um ano ou 2, mas foi uma experiência muito marcante para mim, pois tinha pouca experiência a tocar em grupo...depois foi transcrever solos dos discos, ver como faziam os grandes mestres, tentar introduzir linguagem no meu discurso, imitando-os...
Preocupei-me em tocar todos os dias, todas as noites, em grupo, fosse gig, ensaio ou jam session...
Hoje sinto-me mais calmo, tento praticar diariamente, claro, para manter a técnica, mas o que eu gosto mesmo é de estar em cima do palco, interagir com outros músicos e com o público.


Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento?
A técnica do instrumento, para mim, é quando as mãos conseguem seguir o pensamento, ter uma ideia musical e conseguir passá-la logo para os dedos, a técnica deveria estar dependente da maturidade mental e não o oposto.


E som do instrumento? Que idealizas para o teu som?
Todos somos diferentes e únicos. Cada pessoa tem o seu "som", nos instrumentos (falando de contrabaixo) passa-se o mesmo...há que ter um bom instrumento, que soe bem acusticamente falando.
As escolha das cordas também tem que se lhe diga, para arco é uma coisa para pizzicato, outra. Há muitos anos atrás utilizei as cordas de tripa por darem uma resposta satisfatória, um som redondo no pizzicato, mas com o arco soava-me horrível, para não falar na fraca definição da afinação e o facto dessas cordas serem demasiado grossas. Ora eu gosto de utilizar o arco, utilizo frequentemente, por isso  adoptei as thomastik, que servem para  os dois sistemas (arco e pizzicato), têm um som bem definido, sustain, ataque, tudo.
Depois é a amplificação: utilizo uma cabeça Walterwood, que deve ser do melhor que há neste mundo para contrabaixo, amplifica o som de forma muito natural, sem perder aquele timbre da madeira, som redondinho. Quanto a pickups, já utilizei vários, mas evito os que prendem ou impedem as vibrações e o contacto entre cavalete e instrumento. Por isso continuo a utilizar o Underwood. Para salas grandes acrescento um microfone cardióide, um AMT, que dá um som bem quentinho de madeira para a sala...


Ficas nervoso quando entras em palco?
Fico sempre nervoso antes de entrar no palco, é a adrenalina que está lá em cima, nos píncaros, penso que acontece a todos, mas já a conheço bem e consigo manter a calma aparente. Depois, com as primeiras notas, tudo volta à tranquilidade e é só deixar fluir...

E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que podem influenciar a tua prestação em palco? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta?
Se houver ruído na sala ou pessoas a conversar, a incomodar, sou capaz de parar a música e admoestar essas pessoas em público, geralmente resulta, por vezes o respeito tem de ser conquistado a pulso, com firmeza, é mais forte que eu, sou franco e directo, mesmo sabendo que estou a fazer o papel de "mau".

Ouves rádio? Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso?
Gosto de toda a música, ouço rádio no carro, como ando muito na estrada vou ouvindo, sobretudo o que se passa na música portuguesa, mesmo da pop. O que se passa é que agora os media são comprados pelos grandes grupos financeiros, que vão baixando deliberadamente o nível de qualidade do que emitem, é muito triste esta realidade. Oiço sobretudo a rádio pública (antena1, 2 e 3) por não haver publicidade...

O que andas a ouvir ultimamente?
Neste momento ando a ouvir um instrumento africano fantástico, a "Kora", tocada por Toumani Diabaté e Ballake Sissoko em duo, esta música inspira-me, transmite tradição e espontaneidade, toda a essência do ritmo africano, que como todos sabemos está na origem do jazz.

Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos?
Neste momento faço muito free lance, mas mantenho meus projectos a solo, em trio (Lokomotiv, com Mário Delgado e José Salgueiro), pinto, dirijo workshops no meu atelier no Intendente, dedico-me à transversalidade nas artes, tipo música-dança, pintura-video, música-pintura, sobretudo dedico-me à improvisação de forma mais lata e abrangente.

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Entrevista X - Sara Serpa

1/10/2013

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Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso e dos momentos que mais te marcaram até hoje.
Sou cantora e compositora a viver em Nova Iorque desde 2008 e nos EUA desde 2005. Estudei Piano, Canto, Pintura, Jazz, licenciei-me em Reabilitação e Inserção Social  em Portugal, e fiz um Master em Jazz Performance no New England Conservatory, em Boston. Mudar-me para os EUA foi um dos  momentos mais marcantes da minha vida, foi onde me dei conta que teria que dar tudo por tudo para ter a vida de músico que ambicionava..

Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música?
Não penso propriamente em mensagem ou sensações específicas. Penso mais em fazer a música de que gosto e dar  sempre o meu melhor.

Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico?
Bom ouvido, bom som, bom tempo... entrega total à música que faz sem preconceitos, criatividade,  respeito pelos parceiros, profissionalismo, boa energia e ser responsável, amor pela música em geral.

No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia?
Viver nos EUA permite-me estar em contacto directo com muitas correntes do jazz, desde o tradicional ao mais avant-garde. Uma das coisas de que me dou conta é que todos os bons músicos conhecem a tradição, independentemente do estilo de música a que se dediquem. É importante ouvir o que se fez no passado, conhecer e aprender. . Tal como também é importante conhecer a música que foi feita em Portugal no passado- tem a ver coma nossa história e evolução.Voltando ao jazz,  o facto de conhecer ou poder ouvir regularmente músicos mais velhos, que viveram  os seus tempos de juventude nos anos 50/60 , ou que tocaram e conheceram figuras míticas do jazz,  é um privilégio que faz com que só possa mesmo ter muito respeito e admiração pelos músicos que criaram esta música e pela tradição. O jazz está associado à história social deste país, e é impressionante termos essa noção, oposta à ideia de que o jazz são escalas ou acordes que aprendes para tocar e improvisar, através de livros. Há toda uma cultura,  força e revolução, pensamento sofisticado por detrás desta música que se tem que ouvir e descobrir, e que por vezes as escolas/cursos de jazz não nos ensinam...

Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram uma inspiração para ti?
Cada ano tem a sua época, corrente...é difícil enumerar discos e músicos sem me esquecer de alguém.
Bach, Bartok, Pixies, Beatles, Miles Davis, Sarah Vaughan, Billie Holiday, Carmen McRae, Thelonious Monk, Herbie Hancock, Hermeto Pascoal, Tom Jobim, Abbey Lincoln, Louis Armstrong...e muitos mais...

E actualmente, que músicos te inspiram?
Wayne Shorter, Danilo Perez, Guillermo Klein,  Duke Ellington, Ran Blake, Maria João, Theo Bleckmann, Meredith Monk, Bjork, Paul Motian, John Zorn, Charlie Haden, Arvo Part, Mark Turner...e muitos outros. É sempre difícil para mim fazer estas listas. Nada é definitivo e está em constante mudança.

E coisas extra-musicais que sirvam de inspiração?
Natureza- estar rodeada de árvores, ou de mar, onde possa ver o céu e respirar ar puro, é fundamental para mim. Caminhadas,  cinema, livros, arte. Estar com bons e boas amig@s, boa comida, bom vinho, família. 

Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas?
Pratiquei e continuo a praticar. É importante  para mim ter um rotina, mesmo que tenha pouco tempo diariamente, para manter o meu corpo, voz e mente em forma e poder evoluir.  Estar sozinha e concentrada na minha música é fundamental. Quando estava na escola tinha muito tempo par mim, acordava super cedo e ia para uma sala de estudo e ficava lá a estudar até ter aulas. E ficava na escola depois das aulas também. Quando sais da escola e te tornas profissional, tens que dar aulas e fazer mil e uma coisas todos os dias, gigs e afins, e o tempo de estudo é menor. Mas penso que praticar e estudar é fundamental para evoluir. E hoje em dia, mesmo um concerto ou um ensaio pode ser uma situação de estudo. Pratico muitas coisas, depende do que a música que tenho que aprender requer.  Técnica vocal, composição, transcrever música que me desperta curiosidade, aumentar o meu repertório. 

Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso?
Não. 

Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento?
Saber tocar/usar o instrumento de uma forma saudável, ter bom som, afinação, e saber tirar partido das contrariedades e facilidade que cada pessoa tem. Na realidade para mim é importante sentir qualquer coisa quando oiço outro músico- se não sentir nada, pouco importa se é um virtuoso. A música é uma forma de comunicação  e de expressão individual- músicos que se dedicam apenas à parte mecânica do instrumento não estão a usar todo o seu potencial.

E som do instrumento? Que idealizas para o teu som? 
Som livre e natural. Corpo relaxado e mente focada.

Que importância dás à composição?
Para mim escrever música é uma fonte de prazer e um desafio constante. É uma das coisas que mais gosto de fazer, criar o meu pequeno mundo sonoro.

Ficas nervosa quando entras em palco?
Sim- sinto a adrenalina, sempre! Houve tempos em que ficava totalmente descontrolada antes de entrar em palco. Hoje em dia, penso que consigo aceitar o facto de que estou nervosa e que a partir desse momento tudo vai melhorar.  Mas há sempre muita adrenalina antes e depois do gig.

E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que podem influenciar a tua prestação em palco? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta?
Há sempre pensamentos quando estou em palco, e  ainda mais sendo cantora,  porque tenho que obrigatoriamente que olhar e comunicar visualmente com o público- há sempre ideias e pensamentos, parasitas ou não. Quando isso acontece tento focar-me na música, ouvir o que se está a passar.

Ouves rádio? 
Quando estou em Portugal tento ouvir sim...mas infelizmente sinto que a rádio cada vez mais é um espelho dos interesses das grandes editoras e distribuidoras,e  a maioria da música que se ouve é de má qualidade. Adorava que houvesse uma boa estação de rádio em Portugal, em que os valores comerciais de música para as massas não fossem os privilegiados, em que se ouvisse música criativa, original, de lugares diferentes, que estimulasse o ouvinte, em vez de aborrecer.

Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso?
Tenho sempre muita curiosidade pela música que se faz em Portugal, sim. É sempre bom regressar a Portugal e ouvir o que amig@s e colegas andam a fazer. Algumas coisas gosto, outras não tanto, mas é assim em todo o lado. Penso que há bons músicos e ideias muito boas.

O que andas a ouvir ultimamente?
Oiço música diferente todos os dias, a minha vida é maioritariamente música, e dificilmente oiço o mesmo disco durante muito tempo...viver em NY envolve não só fazer música e dar aulas, mas também ir ver muitos concertos ao vivo- esses momentos são muito importantes para mim. Esta semana vou ver os Atoms for Peace, estou muito curiosa.  Talvez vá também ver um concerto de música de câmara escrita pelo John Zorn.

Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos?
Actualmente lidero um quinteto aqui em NY, e também um ensemble vocal (em Portugal), os Fragmentz. Estou a preparar um álbum a duo com o André Matos, que irá sair em 2014...tenho também um duo com o pianista Ran Blake e recentemente juntei-me a um quarteto vocal do John Zorn, que se chama Mycale. Imagino-me daqui a 10 anos a ser feliz com a música que faço, e a viver de uma forma simples e realizada, com família, música, amigos, desafios e amor à minha volta.


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Entrevista IX - Marcos Cavaleiro

1/9/2013

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Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso e dos momentos musicais que mais te marcaram até hoje.
Comecei por ouvir e conhecer música através do meu pai, sobretudo pop, rock e motown. Aos 15 anos tive a minha primeira bateria, uma Laser, e comecei a tocar com uma banda de Hip-Hop. 
Com o tempo, fui conhecendo os músicos da minha cidade, a Guarda, e com eles cheguei a outras músicas, incluindo o jazz. Lembro-me que a primeira formação de jazz que vi, e que me deixou fascinado, foi o quinteto Fátima Serro com o Bruno Pedroso. Algum tempo depois, vi um concerto com o Alexandre Frazão, e pedi-lhe se me poderia dar umas aulas. Passei a ir a Lisboa  de quando a quando e esses encontros foram de grande inspiração. 
Entretanto, já tocava com uma banda de covers e, juntamente com uns amigos, comecei por tentar tocar uns standards.  Mais tarde, conheci o Acácio Salero, que viera tocar à Guarda com a Orquestra Jazz de Matosinhos. Durante um ano tive aulas com ele, que foram determinantes para mudar de rumo. Isto porque frequentava, na altura, o curso de Engenharia Informática e desisti para ir estudar no Taller de Musics, em Barcelona. Durante esse período consegui ter algumas aulas particulares com o Marc Miralta, que se tornaram muito relevantes na minha forma de estudar o instrumento. 
Dois anos depois entrei na ESMAE e fui para o Porto. Aí, conheci músicos e pessoas incríveis e tive o privilégio de estudar com o Michael Lauren. Ainda na ESMAE, o Pedro Guedes e o Carlos Azevedo convidaram-me a integrar a OJM, que tem sido uma grande fonte de apredizagem e me tem proporcionado conhecer e tocar com excelentes músicos, muitos do quais tenho vindo a acompanhar noutros projectos, igualmente marcantes e gratificantes!

Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música?
Nada em particular. Tento ser genuíno e sincero no que toco. Espero que as pessoas gostem do que estão a ouvir e que passem um bom momento.

Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico? 
Admiro num músico a sua sinceridade, o saber ser um bom ouvinte e a sua audácia. Quanto a mim, um bom músico deve definir-se pela sua criatividade, originalidade e vontade de arriscar.

Na Música, e na arte em geral, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia? 
No meu caso, e, numa fase inicial, comecei por ouvir formações mais actuais. À medida que fui estudando e lendo, naturalmente, quis saber o que inspirava os músicos que ouvia. Neste processo vim a descobrir grande parte da música, e dos músicos que me têm influenciado. Se estivermos dispostos a isso, é importante descobrir o que se fez, quem o fez e ouvir aquilo que realmente gostamos. 

Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram uma inspiração para ti?
É-me difícil precisar que corrente me terá influenciado mais, porque sempre ouvi música de diferentes  períodos e géneros.  Penso que os primeiros discos aos quais nos afeiçoamos e que realmente gostamos, acabam por estar sempre presentes na nossa forma de tocar e no meu caso mencionaria os seguintes: 

Keith Jarrett Trio - Tokyo 96

Brad Mehldau - Songs
Brad Mehldau - Introducing
Mccoy Tyner - Inception
Roy Haynes - Out Of The Afternoon
Chris Cheek - Vine

E actualmente, que músicos te inspiram?
Definitavemente os músicos com quem toco e vou contactando e vendo ao vivo. E claro, Roy Haynes, Billy Higgins, Pete La Roca, Elvin Jones, Mel Lewis, Lee Konitz, Bill Evans, Miles Davis, Wayne Shorter, Lester Young, Paul Bley, Ornette Coleman, Thelonious Monk, Ron Carter, Herbie Hancock, Tony Williams, Joey Baron, Tom Rainey, The Meters, Greg Errico, Mitch Mitchell, Guillermo Klein, Jorge Rossy, Brian Blade, James Brown, Aretha Franklin, Steve Gadd, Chet Baker...

E coisas extra-musicais que sirvam de inspiração?
A minha família, os meus amigos, cinema, livros, ilusionismo e a minha cidade.

Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas?
Dou muita importância ao estudo e, sempre que posso, pratico. Hoje em dia não é tão regular quanto gostaria mas, enquanto estudei na ESMAE e no Taller, trabalhei de forma intensiva. Praticava coordenação, peças de caixa, leitura e interpretação de figuras, diferentes estilos, formação musical e ouvia muita música. Hoje em dia, o meu estudo passa por praticar  exercícios de coordenação, improvisação, preparar repertório que irei tocar e também costumo transcrever  e tocar sobre discos.

Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso?
Houve uma altura que sim, mas, à medida que fui conhecendo músicos que admiro, isso deixou de fazer sentido. Cada pessoa é atraída por coisas diferentes , em alturas distintas, e cada um segue o seu caminho. 

Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento?
O som que o músico consegue retirar do instrumento e a clareza nas ideias que toca. 

E som do instrumento? Que idealizas para o teu som? 
O mais orgânico possível. Sou um grande fã do som dos anos 60.

Ficas nervoso/a quando entras em palco?
Depende. Gosto de estar confortável com a música que vou tocar. Se assim for, fico tranquilo.

E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que podem influenciar a tua 
prestação em palco? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta?
Sim, claro. Faz parte do jogo. No meu caso, passa por me concentrar no momento e desfrutar.

Ouves rádio?
Sim.

Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso?
Interessa-me e há coisas de que gosto muito, não apenas no jazz. Temos músicos incríveis e inspirados, e cada vez há mais gente à procura de dar vida às suas ideias.

O que andas a ouvir ultimamente? 
McCoy Tyner - The Real McCoy
Orelha Negra 
Miles Davis All Stars - Walkin' 
Doudou N'diaye Rose - Djabote

Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos?
Tenho tido o privilégio de colaborar com a Orquestra Jazz de Matosinhos, nos projectos do Demian Cabaud, André Fernandes, Jeff Davis, Zé Pedro Coelho, Rui Teixeira e outros que estão ainda a tomar forma. No fundo, a minha intenção passa por continuar a evoluir como músico, tocar boa música, com pessoas de quem gosto e que admiro.

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Entrevista VIII - Lars Arens 

1/8/2013

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Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso e dos momentos que mais te marcaram até hoje.
Na minha família o interesse em música vem mais do lado do pai, pensando na infância em que as minhas duas irmãs e a minha mãe tinham mais interesse em cavalos (tínhamos 2).
Comecei com flauta doce aos 5 anos que não era bem a minha cena e mudei para bateria aos 6 anos.
Aos 15 anos comecei com o trombone e larguei a bateria ainda no mesmo ano:  Tinha uma mão esquerda demasiado fraca para tocar isso. Curiosamente, na mesa é-me indiferente em qual lado está o garfo e em qual a faca, dá igual das duas maneiras...
A partir dos 17 anos dei os primeiros passos, tentativas de escrever música sem formação harmónica nenhuma.
A minha primeira banda a tocar só música original criei aos 18 anos.....até chegámos a tocar em três festivais locais.
Aos 20 fiz prova de acesso à Big Band Nacional da Juventude, junto com a Summit Jazz Orchestra de Augsburgo, foram as melhores orquestras de jazz onde cheguei a tocar até hoje.

Momentos que me marcaram/inspiraram? São muitos... Ainda criança fui ver com o meu pai o Dave Holland Quartet (com Steve Coleman-sax/Kevin Eubanks-guit/Marvin Smitty Smith-bat), mais tarde o Cedar Walton Trio (com o David Williams a partir logo a corda mais grave, teve de tocar com 3 cordas o resto do concerto...), Elvin Jones Jazz Machine, o trio Geri Allen+Charlie Haden+Paul Motian... Mais tarde lembro-me de ter assistido ao duo John Abercrombie/Marc Copland, incrível...... E impressionou-me um concerto duplo que vi na minha cidade do Bill Frisell Quarteto + Joey Baron , música do álbum "Quartet" só com guitarra, violino, trombone, trompete... na primeira parte, Joey Baron tocava bateria solo.
Ao longo dos anos em Portugal, destaco os concertos dos "Root 70"  (Nils Wogram)  no Hot Clube e o John Hollenbeck Large Ensemble no "Jazz em Agosto" há dois anos. Também vi um concerto espectacular da "Bob Brookmeyer New Art Orchestra" na Culturgest.
Os "Root 70" (Wogram, Chisholm, Penman, Rueckert) demonstraram de forma impressionante qual a diferença entre um grupo e um conjunto, além de destacarem uma nova forma de escrita para "small ensemble".  A música era ultra-complexa e difícil de executar mas para estes músicos de topo, parecia tudo fácil. Nunca seria possível tocar assim no esquema "2 ou 3 ensaios e bora fazer concertos".

Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música?
Composição e improviso para mim é bastante parecido, no entanto o improviso acontece dentro de períodos de tempo de duração mais curta do que quando se compõe. No que diz respeito a improvisos ou interpretação de um tema no meu instrumento por exemplo, isso é uma coisa espontânea, daquele instante. Se eu amanhã solar sobre um tema meu, eu ainda não sei em que estado mental e físico vou tocar amanhã, nem consigo dar garantia de passar alguma coisa em concreto.
Na composição no entanto há sim sensações/estados de espírito, etc. que me podem servir como elementos inspiradores (entre outros elementos inspiradores possíveis) e que me motivam para conceber um determinado tipo de temas que podem ser inspirados em sensações positivas ou negativas que num determinado dia ou numa determinada fase dominam a minha vida.


Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico?
Dentro do termo músico escondem-se profissonais em que a percentagem entre ser artísta (implica criatividade) e ser instrumentista (dominar o instrumento ) varia imenso. Existem músicos que tocam simplesmente muito bem o seu instrumento mas que nunca vão escrever um único compasso de música original e talvez não tenham sequer interesse. Se este mesmo músico for capaz de dar alta interpretação/execução de um tema (escrito) é capaz de me impressionar na mesma.
Por outro lado um músico com alto potencial criativo (a manifestar-se a nivel de composição por exemplo) vou sentir algo inferior comparado com o exemplo anterior, se o seu domínio do próprio instrumento for fraco.
Deixemos para já em aberto o que é um bom artista, mas um bom músico para mim toca o que quiser, desde que demonstre que domina o seu instrumento em vez de ser dominado por ele. Ao abrigo do termo free escondem-se "artistas" que demonstram a sua originalidade com a não-preocupação em dominar o instrumento. Se optei por tocar trombone isso tem a ver com meu gosto pelo som característico deste instrumento, não é? Se o meu objectivo for criar unicamente sons e ruídos estranhos (do género "cliché free-jazz", não confundir sérios artistas do género free), isso não preciso de fazer num trombone, podia soprar também num regador de plantas.

No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia?
O que se passou no passado influeciou o que se toca hoje. Neste sentido tenho respeito pela tradição e os seus protagonistas. Mas não vejo como o meu dever, reproduzir a tradição. Admito a importância de estudar a tradição até a um certo ponto e de ser capaz de tocar determinados temas e determinados estilos. Mas prefiro dedicar-me a musical mais actual e original. Sinto que faça isso melhor.
"Respeito" pela tradição para mim não significa a constante obrigação de olhar para trás.
Permito-me citar uma frase de um dos meus heróis de composição, John Hollenbeck a ser entrevistado pela JAZZ.PT :
"Se jazz é música que olha para a frente, à procura de algo intangível… então sim, adoro chamar-me a mim próprio um músico de jazz. "

Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram uma inspiração para ti?
Não me consigo limitar à tradição nesta pergunta. Na verdade custa-me limitar-me ao termo jazz!
Diria que até a altura em que entrei a estudar na escola superior tive fases em que ouvi quase exclusivamente determinados grupos, as fases mais importantes refiro aqui. Estas fases chegaram a um final, mas continuo a gostar dos artístas. Saliento que estes grupo ouvi com especial atenção ao som do grupo e a orquestração, e não um ou outro solista em particular.

•                     Fase de "progressive big band", ou quer dizer, protagonistas que emanciparam a música big band da música de dança. Saliento a orquestra do Stan  Kenton e o seu elenco de compositores arranjadores.

•                     Toda a obra Gil Evans pós- "Birth of the Cool". O Birth of the Cool que é o mais "tradicional", acho um seca. Detesto ensopado tímbrico em texturas mais tradicionais, nesta texturas nunca optaria por esta instrumentação.  (Cometi um sacrilégio?)

•                     Toda a obra da Carla Bley. Foi mesmo uma fase longa e intensa  (TWSS), que penso que influenciou muito a minha escrita.

•                     Álbum "Seeds of time" do Dave Holland (+ Wheeler, Priester, Coleman, Smitty Smith) . Para mim de longe o mais engraçado a nível de composição, prefiro este a todos aqueles álbuns que vieram a seguir.

•                     Álbum:  "John Abercrombie/Marc Johnson/Peter Erskine" (1988)

•                     Bill Frisell  "Quartet"

•                     George Gruntz  Jazz Orchestra "Blues´n Dues Et Cetera"

•                     John Zorn "Naked City".

E actualmente, que músicos te inspiram?
Há bastante tempo já: Nils Wogram e John Hollenbeck

E coisas extra-musicais que sirvam de inspiração?
Numa pergunta acima  já me referi às sensações.
Qualquer tipo de impressões que afectem o espírito e as sensações... tal como a própria música o faz.
As estações por exemplo, têm um determinado aspecto, têm determinados cheiros, determinadas atmosferas, transmitem-me um determinado espírito de estar, que me abrem a mente. (Talvez soe muito esotérico...? )
Vou comparar com a própria música que me transmite dessas sensações também:
Se ouvir hoje, por exemplo, uma música que há 20 anos foi importante para mim, ao ouvir revivo, resinto o espírito da situação em que na altura me encontrei, lembro-me e vejo as pessoas que na altura faziam parte do meu presente, e consigo lembrar-me de vários detalhes. (tenho imensas músicas que para mim ficarão ligadas para sempre a situações, pessoas etc)
Da mesma maneira "vivo" e fico inspirado por  livros, quadros, quer dizer : um quadro que gosto consigo sentí-lo, não apenas ver. Uns  quadros como por exemplo os muito conhecidos "Night Cafe" (van Gogh) ou "Night" (Wassily Kandinsky) para mim transmitem uma determinada atmosfera, até um determinado cheiro, reconheço neles situações que me lembram a situações parecidas que eu já vivi.
Talvez possa dizer, quando "mergulho" em determinadas músicas, livros, quadros, isso permite-me estar no presente e no passado ao mesmo tempo. E isso é bastante inspirador!

Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas?
Dou muita importância, mas a realidade de trabalhar em fulltime na ESML não me tem permitido estudar o tempo que preciso. Ao longo dos últimos 5 anos tenho dado demasiadas aulas que me afastam do meu instrumento. Até lá estudava entre 3 a 5 horas por dias, tal como o fiz enquanto estava na Superior...Os estudos normalmente consistem em técnica, repertório e coisas mais específicas para o improviso sobre progressões harmónicas.
Não me vou referir aqui a coisas especificamente trombonísticas, mas talvez fale daquilo que segundo a minha opinião possa servir também noutros instrumentos.
Quanto às "coisas mais específicas para improviso sobre progressões harmónicas estudo muito tonalidades+voiceleading de uma maneira algo mais "minha", se bem que naquilo se reflecte bastante a abordagem harmónica como a conheci na Holanda, onde estudei.
Improviso ou estudo padrões a passar por 5 tonalidades de base: Maior(e menor natural), Menor & Maior Harmónico, Menor Melódico.
Dominar por exemplo a tonalidade de menor-melódico, isso quer dizer que sei reproduzir fluidamente a respectiva escala a partir de cada uma das suas sete notas, seja ascendente ou seja descendente.
Não especifico por nomes de 28 modos pois ponho em causa de que isso me sirva para alguma coisa. Domino-os automaticamente se dominar tais tonalidades. A experiência (com alunos em trombone e até em composição) diz-me que o contrário é menos provavel, ou quer dizer: se estudo e separo montes de modos de forma matemática, não me consigo facilmente mover de visão horizontal em progressões harmónicas, os menos experientes a fazerem isso, interrompem constantemente frases, para iniciar de novo a partir da fundamental de cada próximo modo. Porquê? Porque não dominam a tonalidade e porque não vêem o voiceleading entre os acordes. Claro que isso pode ser ultrapassado por estudar muito, mas prefiro pensar logo mais fácil.
Para improvisar sobre uma estrutura harmónica tenho de ser capaz de perceber o voiceleading das notas entre os acordes/graus (onde temos tonalidades), e derivar o seu "material de notas" proveniente das tonalidades, é preciso sermos capazes de modular entre tons num instante, no meio de uma frase/ideia. Assim tocamos com visão horizontal pela estrutura. Numa forma geral penso que o voiceleading está a ser estudado muito pouco nas escolas. Em aulas de combo ou de composição e  arranjos reparei em alunos até de instrumentos harmónicos não estarem bem conscientes de bom voiceleading. Interpretar da mesma maneira Fmaj7/G  e  Gsus7, ou o vício de bombardear com #11 qualquer acorde maior ou dominante é um bom indicador de um pensamento vertical, sem  percepção horizontal.
O princípio "chord-scale" conhecido por métodos do género Jamey Aebersold é uma abordagem vertical que nem só nada nos diz acerca do voiceleading, parece-me até um obstáculo à forma horizontal de improvisar sobre progressões. Para aqueles instrumentos, que não tocam acordes (e que por isso não estão tão dentro da matéria), o voiceleading é um pensamento extra, separado.
Além disso: compare as escalas do dórico modal com o 2o grau na tonalidade maior, que consistem nas mesmas notas. Mas quanto às cores que vamos destacar nos diferentes contextos, não é nada a mesma coisa.... Em frígio ainda é maior a diferença: Muitos "character-tones" ou extensões de um determinado modo são "passing tones" ou até "avoid tones" na mesma escala no contexto tonal e harmónico-funcional.
Numa progressão pura em dó maior isso quer dizer que pense apenas em dó maior + o voiceleading entre os acordes. Caso o sol dominante no contexto de dó maior, tenha uma nona menor, tenho opções diferentes, mas a minha primeira opção será a de tocar em dó maior harmónico. Pois naquele grau a tonalidade leva 6 menor, de resto posso mas não preciso alterar mais nada. 
Nunca percebi bem a lógica de atribuir uma escala a cada acorde e de falar em modos diferentes no contexto de tonalidades (com ou sem intercâmbios). Se dominar as tonalidades e se perceber do voiceleading dos seus acordes, não preciso de falar em modos.

Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso?
Quanto ao "conteúdo y" nunca é tarde demais para começar.
Quanto ao "músico x": Podia tirar uma licenciatura a seguir à outra, mudando sempre o prof. e o país. Mas não sou rico, e não posso fazer isso. Estou grato por poder estudar com um prof que me deu as ferramentas todas, para poder progredir sozinho. Só 4 ou 5 anos depois de ter graduado, sempre a reflectir e estudar o material, comecei a acreditar de que tenha alguma coisa boa a transmitir como trombonista e comecei a estar contente com o meu som. Mas, poder progredir sozinho não quer dizer que seja igual a estudar e progredir com a ajuda de um bom professor e os seus impulsos!

Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento?
E som do instrumento? Que idealizas para o teu som? 
Pois, confesso que admiro trombonistas que saibam tocar rápido com definição em cada nota, pois isso no trombone é particularmente difícil....! No entanto um dos trombonistas que sabe tocar extremamente rápido, o super virtuoso Bob McChesney não me diz nada pois o discurso é repetitivo e cheio de malhas. O Nils Wogram (recomendo o álbum "Speed Life") a tocar rápido diz-me muito! Não toca tantas malhas, e se as toca, as malhas são suas. (Aliás seria também um boa questão para entrevistas:  "muitas vezes estudar/saber improvisar é confundido com a reprodução de malhas e padrões estudados.....O que para ti é o improviso e considera-lo mesmo ser uma coisa muito livre?“
Técnica de instrumento :  ter boa técnica para mim quer dizer, que eu domine o instrumento e consigo tocar confortavelmente nele, também cenas puxadas. Pois o contrário é ser dominado pelo instrumento....
Quanto ao som do trombone sou fâ de um som e fraseado que soa algo a "modern smooth playing",  em conseguir tocar um legato muito limpo com som muito vocal no trombone, tal como trombonistas como Nils Wogram e Ed Neumeister hoje tocam, e o Bob Brookmeyer na última fase da sua vida tocou.

Que importância dás à composição?
Muita importância. Diria que muitos músicos de Jazz dão.  No Jazz existe o fenómeno de toda gente se chamar "músico-compositor" enquanto sabe escrever melodias com acordes (leadsheets). Compare-se: Um "compositor" no sentido clássico quando cria uma obra prima isso consiste na orquestração toda, preocupa-se com timbres e texturas etc. Na música jazz curiosamente atribuimos essa responsabilidade ao arranjador.  Isso é um pouco estranho para mim que me identifico mais com o termo do compositor no sentido clássico. Pois o processo de compor ou arranjar para mim é o mesmo, com a pequena diferença da matéria prima ser ou minha ou de outra pessoa. A verdadeira criatividade a meu ver consiste em saber fazer arranjos, não é em inventar apenas a matéria prima. Muitas vezes ouvi arranjos e pensei que o trabalho do arranjador foi muito mais importante para o resultado final que aquilo que o compositor criou... A matéria prima mais simples pode ganhar vida com boa instrumentação. Mas a matéria prima melhor e mais bonita do mundo corre o risco de brilhar pouco se o seu compositor não souber "encená-la". Na maioria dos meus temas defino logo a instrumentação e utilizo-a de de forma consciente. Isso para mim é inseparável do processo criativo.  Há poucos temas meus que poderia reduzir a um leadsheet.

Ficas nervoso quando entras em palco?
Um pouco antes. A partir da 1a nota desaparece.
Só uma vez me lembro de ter tido mesmo stress durante o concerto. Foi Maria João & Mário Laginha + Big Band do Hot Clube de Portugal , acho que foi em Leiria. Tocava (ou melhor: tentei tocar) eufónio no tema "Horn Please" que veio a seguir ao tema "Beatriz" que não tinha sopros.
O tema era muito dirigido, tinha ralentandos, accelerandos, fermatas...., e a seguir a cada fermata não consegui apanhar /controlar nenhuma das próximas entradas que o maestro (na altura o Pedro Moreira) deu, em vez disso vieram ruídos estranhos do meu lado, eu a desfazer me em suor e ficar vermelho cada vez mais com cada balda que dava enquanto o resto da big band estava bem junto. Depois do concerto reparei que os pistons estavam trocados, tinha-os mal colocado depois de os limpar! Que horror!

E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que podem influenciar a tua prestação em palco? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta?
Sim claro. De tudo. Pode ser que uma determinada pessoa a que dê importância esteja no público e fico feliz por isso e sinto que tenho de fazer ainda melhor. Isso é óptimo para o resultado!
No entanto já toquei concertos em estado sem vontade nenhuma de tocar, a ficar desmotivado em pleno palco. Não me acontece muito, mas quando acontece admito que é chato.....

Ouves rádio?
Sim, mais de manhã mas não oiço rádio à procura de música, procuro mais programas em que se fala , documentários, debates, etc.  Ouvir esses programas ajudou-me muito para melhor entender o português. 
No entanto já algumas vezes ouvi passar música na rádio já durante um tema, comecei a gostar e  tento gravar e depois procurar/saber de que é que se tratou.

Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso?
Seria estranho decidir viver aqui e manifestar não ter interesse naquilo que aqui se faz, não é?
Há cada vez mais e melhores músicos novos por cá.
A evolução do jazz  todavia não depende da quantidade de músicos, depende da atitude dos seus músicos, em particular dos mais novos, em relação ao passado e em relação à música que actualmente se faz.
Temos um número enorme de músicos de jazz novos em Portugal, entre qual existem alguns com um invejável talento  (!!)  Digo isso como um músico que teve de trabalhar duramente para o pouco que sabe....!  uma parte deles vi passar por perto como dou aulas na Escola Superior de Música de Lisboa.
Isso segundo quem vive aqui há 15 ou 20 anos atrás é uma situação nova.
Com tanta quantidade de novos músicos e desde que um músico de jazz seja um artista criativo, supostamente devia disparar o número de grupos novos. E sim, têm aparecido grupos verdadeiramente novos.
Mas entre a enorme quantidade de jovens por cá, há um número grande de quem não apresenta, não investe em nada seu! Não percebo! 
E confesso que me estranha a mentalidade de alguns, bastantes, que ora quanto a concertos de grupos/nomes de prestígio/mérito, se portam como  "peregrinos a irem a Fátima", e ora quanto a tudo aquilo o que é novo e menos conhecido, parecem até menos interessados em música que a cozinheira da minha tasca preferida. Dificultam o seu próprio futuro enquanto não se respeitam/valorizam uns aos outros, enquanto ignorarem o seu potencial pois é uma postura que não favorece o dinamismo de inovação, que diria que é fundamental no jazz!
Ao meu ver um músico de jazz é uma artista, tem algum(a) interesse/mentalidade  de ouvinte e consumidor, mas também deve ter a mentalidade, ou uma certa ousadia (ingénua) de criador.
Se eu não acreditasse em ter algo meu a acrescentar à música, eu nunca teria estudado música jazz! Quando eu tirei o curso, penso que desempenhávamos um papel algo mais activo, experimentávamos e criávamos mais, e talvez fossemos algo mais distantes dos nossos professores: tinhamos todo o respeito por eles, mas também nos valorizávamos a nós próprios (embora musicalmente muito verdes ainda).
Fiquei muito contente quando li no Público uma crítica que deu 5 estrelas ao disco "A casa da árvore" do João Firmino. 5 estrelas para um nome relativamente pouco conhecido!  Está de parabéns!

O que andas a ouvir ultimamente?
É que vario muito....

Aaron Goldberg 4teto
John Hollenbeck Large Ensemble
Nils Wogram  7teto "Odd and Akward"
The Who
Florian Ross  "Brass Project"
Joe Henderson "In ´n Out"  (o meu aluno Mário fez-me voltar a ouvir isso...)
Wayne Shorter "Alegria"
Defunkt "One World"
Selim Sesler (música tradicional turca) no youtube....
.....entre outras coisas....

Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos?
Francamente os tempos são de muitas difuculdades, nomeadamente no que diz respeito à profissão livre em alturas de crise, com os cortes enormes que se reflectem em menos concertos, nomeadamente no que diz respeito à música não comercial. Pelo que prefiro não olhar demasiado para frente. É que não sei o que vai poder acontecer.
Mas gostava de gravar mais um disco com o 6teto L.A. New Mainstream (ainda tenho temas na manga), mas antes gostava de gravar um disco no 1o formato do meu quarteto "L.A.JumpingPulgas", trombone/sax/baixo/bateria.
Com o actual elenco da Tora Tora Big Band espero gravar mais um cd, embora tenhamos tido muita dificuldade em vender o grupo pois somos muitos e os tempos não favorecem nada esses grupos grandes....
Eu para variar gosto de tocar outras coisas fora do jazz!
O grupo guineense "Tabanka Djaz" vai lançar o seu próximo álbum este ano. O grupo foi o primeiro da áfrica lusófona a conseguir um disco de platina pela quantidade de álbuns vendidos e os Tabanka são bastante famosos lá em África. Um novo álbum promete muitas viagens e concertos lá por fora...
E depois a cantora portuguesa Mafalda Veiga que vai apresentar um formato mais acústico em que faço parte, além disso o novo álbum do grupo grande parece que vá ter um trombonista....trabalhar com ela é trabalhar num elenco muito porreiro e em condições de trabalho que no jazz não tenho encontrado nos últimos anos.... Fico grato por estar envolvido numa série de grupos que no ponto de vista do músico jazz são considerado mais "comerciais" e que em tempos de crise nos ajudam bastante! Eu não quero tocar só jazz, quero mais variação possível.


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Entrevista VII - Afonso Pais

1/7/2013

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Antes de mais fala-me um pouco de ti, do teu percurso.
Interessei-me muito cedo pelo piano, pelo facto da esquematização visual do que ouvia poder converter-se em sons, foi (e é) uma ferramenta ideal para esclarecimento de tudo e mais qualquer coisa de harmonia, por exemplo, desde que toco guitarra. Havia também uma guitarra lá por casa, que o meu pai tocava de forma informal e aproximativa, na qual peguei mais tarde, aos 11 anos, talvez: improvisava melodias modais nas cordas mais graves, simples, claro, mas já com a tal visualização da correlação espaço - intervalo. Entrei aos 15 para o Hot clube, aos 18 para a New School. Os anos do Hot deram-me a descoberta essencial de que a música não se esgota, de que há sempre mais música por descobrir. A minha adolescência foi pontuada pela tristeza de saber que os Dire Straits não gravariam mais e eu ficaria sem música pela qual me pudesse interessar. Ou seja, sempre existiu o perfil de uma certa obsessão, que hoje sei ser condição sine qua non, na prática deste estilo, o jazz. Nova Iorque foi muito essencial para mim, como um molde daquilo em que eu não me quereria vir a tornar, no obreiro profissionalizado da música. Por falta de talento, mas principalmente por antipatizar com essa ideia do criativo de linha de montagem. Do que mais gostei foi da forma como aquela gente separa o prazer e a felicidade, e como isso torna tudo mais simples e eficaz: muito bons músicos numa jam session podem nem se falar bem fora desse contexto, e até estar no dia mais infeliz das suas vidas... mas o prazer de estar ali a tocar é assumido por todos, e move mundos, literalmente. Mundo, pelo menos. Conhecer, ouvir estórias e concertos com regularidade, foi marcante. Fazer "sit-ins", concertos, sessões em casa de gente, também. Foi lá que resolvi um dos maiores dilemas da minha vida, o método de estudo. Sou muito desorganizado e imponderado, e na música disciplinei os processos, demorou-me os 5 anos que lá passei. Mas garanti que, independentemente dos estímulos exteriores (ou a falta dos mesmos), sou sempre capaz de me auto-prescrever o que vou precisando, para assegurar que vou caminhando a evolução.   

Que mensagem ou sensações tentas passar na tua música?
O mais possível do que essa música me fizer sentir, ao ouvi-la. 

Que qualidades admiras num músico e o que é que define para ti um bom músico?
Timbre, genuinidade, imprevisibilidade, originalidade. Só num segundo plano a técnica / virtuosismo.

No Jazz, e não só, fala-se muito em respeitar a tradição. Que importância dás ao que se passou para trás? Achas que se respeita a tradição hoje em dia?
Dou muita. Mas cada vez mais se metamorfoseia em outras coisas e outras músicas. Cito o Thiago Amud, cantautor brasileiro, com o qual estou totalmente de acordo na seguinte opinião: "...tem gerado em muitos de nós uma reverência meio excessiva pelo passado. É uma questão de saber o que fazer com a intensidade do amor que sentimos por esse legado, como transformá-lo em outra coisa. Sinto falta de um certo abuso, de uma dose de heresia, do incómodo que o novo causa, porque o que eu amo eu não quero ver embalsamado"...

Ainda em relação à tradição, que corrente mais te influenciou e que discos e músicos foram/são uma inspiração para ti?
Ouvi e ouço muito todas as correntes pós-swing, inclusive. Vou enumerar estes, dessa era, como podia lembrar-me de outros, são demais para nomear poucos e ser representativo. Dizzy Gillespie "Shaw 'Nuff" / "Something old, Something new" / "Gillespiana", Thelonious Monk plays Duke Ellington, Nat King Cole "Penthouse Serenade", Elmo Hope "Trio + Quintet, Blue Note", Fats Navarro "Live at Birdland 1950", Slide Hampton "Sister salvation", Stan Getz com cordas "Focus", Gil Evans "The Individualism of...", Jim Hall "Jazz guitar". 

E coisas extra-musicais que te inspiram?
Neurociencia cognitiva, biologia / ecologia, espaços naturais e fauna, carros. O amor é extra-musical?  

Que importância dás ao estudo? Praticaste muito enquanto estudante? Que conteúdos tinham mais ênfase na tua rotina diária? E hoje em dia o que é que praticas?
Estudo diariamente, nunca fui um exemplo de estudioso aplicado, pois sempre me movi por ímpetos, por isso ouvi desde logo muitos discos, e fui mais letárgico na chegada à técnica de instrumento. Gosto de exercitar coordenação de mãos, ritmos compostos e  acentuações assimétricas nas melodias: tudo coisas que me dão gratificação instantânea. 

Tiveste ou tens aqueles fantasmas de 'deveria ter estudado o músico x ou o conteúdo y'? Como contrarias isso?

Não tenho, tendo a pensar que se não me ocorreu, ou ocorrerá ou simplesmente não me interessa. 

Muitas vezes a questão da técnica do instrumento é confundida com número de notas por segundo. O que é para ti a técnica do instrumento?
Nem sei bem quantas facetas a técnica tem. Para o ano inventam uma nova. Para mim a técnica é a manifestação física de  todos os mecanismos necessários, que, quando conjugados, convertem uma ideia num som audível.  

E som do instrumento? Que idealizas para o teu som?
É muito estranho explicar-te que na verdade não tenho registo de som algum na minha ideia. Quando imagino uma melodia, ela é veiculada por um som mental sem timbre, absolutamente vindo de um lugar em que as ideias nascem abstractas. Só na fase final é que o instrumento me cede gentilmente a sua voz. Não sinto nada em mim o cabimento daquela velha máxima: o músico e o instrumento que se fundem. No meu caso é mesmo uma situação a dois, em que a guitarra tem propostas suas, de carácter musical também, e é claramente do género feminino. Sou um "guitar enabler" 

Ficas nervoso quando entras em palco?
Por vezes, mas normalmente dissipa-se com o primeiro tema. 

E tens ou já tiveste pensamentos parasitas que influenciam a tua prestação? Do género 'O que é que estou aqui a fazer?!' 'O público não se cala??' ou 'Está ali a pessoa X na plateia, tenho de tocar bem!'. Como dás a volta?
Posso chegar ao fim de um concerto com uma sensação de desolação, por não ter sido o dia mais inspirado, mas dou sempre o que tenho, e imprimo toda a energia que vier. Acho que talvez por isso as interferências exteriores, ou parasitas, só cumulam num maior cansaço, fruto de um gasto de energia maior, no final do concerto. 


Ouves rádio?
Não. 

Interessa-te a música que se faz em Portugal? Qual a tua opinião acerca disso?
Interessa-me muito, só tenho pena de não ser um glutão de discos, tenho pouca permissividade a muita música nova de uma vez. Sou lento. É muito bom e construtivo ver que os nossos colegas músicos tenham a felicidade de gravar a sua música, e depois a editar, sem que isso seja a missão impossível que era há uns anos. Porém, com essa facilitação, o mercado inunda de propostas de música original, por vezes simplesmente porque o autor pôde, e não porque a música mereça. Vejo, nomeadamente com música original, como uma gigante responsabilidade a edição de um disco. Isto digo, com plena consciência que faço parte do grupo de risco. 

O que andas a ouvir ultimamente? 
Leonard Bernstein "West Side Story", na regravação de estúdio em 1985.  

Em jeito de despedida, fala-me do que andas a fazer actualmente e o que é que te imaginas a fazer daqui a 10 anos?
Estou na iminência de um abono discográfico. Estão aí:
 - "Míope e o Arco-Íris" - Co-liderado por mim e pela Rita Martins (Maria)
   

- "Terra Concreta" - Duos gravados nas reservas naturais do nosso lindo país, com Albert Sanz, Rita Martins, Joana Espadinha, Luísa Sobral, Beatriz Nunes, João Firmino.

 - "Cine Qua Non" - Co-liderado pelo João Paulo Esteves da Silva, a Paula Sousa, o Mário Franco e por mim. *Está para breve* 


Daqui a 10 anos espero ter conseguido uma nitidez maior sobre quais os caminhos da liberdade de expressão musical, da expressão humana, e da supressão dos preconceitos, com os quais lido e contra os quais luto um pouco, diariamente.

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